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Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Voltar a pegar nas agulhas

Costumo ir nadar na pista ao lado enquanto a Inês tem aula de adaptação ao meio aquático. Mas hoje a recepcionista era outra e tinha outro horário na mão e disse-me que àquela hora não havia natação livre. Saí, um pouco irritada, e dirigi-me ao centro da vila, ainda com o cheiro a cloro nas narinas e uma frustração a transbordar da algibeira. Entrei na biblioteca, folheei as revistas, ainda me sentei para logo me levantar como uma mola. Não consegui decidir se comprava um Twix ou parava na marginal a olhar o mar, por isso entrei na Universal para ver que tal as novidades. Foi aí que o vi, perdido no meio das revistas espanholas de crochet e tricot. Trouxe-o, iludida pela senhora asiática das fotografias. É que os livros japoneses de costura, crochet e tricot têm fama de ser bons, mas este, afinal, de japonês tem muito pouco, a começar pelo título: Mon cours de crochet. Não fiz caso e folheei-o avidamente com aquela esperança de que a minha recém-adquirida vida de freelance me permita voltar às agulhas. Infelizmente, ou felizmente, desde que saí da empresa ainda só consegui fazer a bainha de meio cortinado e um babete para o Nenuco, mas estou tão esperançosa de voltar a ocupar os meus serões de roda dos pontos altos em vez de traduzir até às tantas que só folhear este livro me faz feliz.
Em português aqui.








Mesmo feliz, acabei por comprar o Twix.

Arco-íris

Há muito tempo que não via um arco-íris assim, tão vivo, tão nítido, de uma ponta à outra. A viagem do centro de Sesimbra até casa pela Arrábida demorou o triplo do tempo. Devo ter parado umas 5 vezes para apreciar a paisagem, o formato três-dê das nuvens, a imensidão do arco-íris, para desenhar no ar as sete cores como na música dos Caricas ("Mamã, mas eu já não acho muita piada aos Caricas. É para bebés, sabes..."). As minhas filhas olhavam para mim surpreendidas e divertidas com os meus guinchos de alegria. Há muito tempo que não via um arco-íris assim, tão vivo, tão nítido, de uma ponta à outra. A câmara do telefone não conseguiu apanhá-lo em toda a sua extensão, mas juro que dava para ver onde começava e onde terminava, os potes de ouro esperando em cada extremidade. Pus-me a pensar se, de todos os arco-íris que já vi na vida, nunca tinha prestado a devida atenção a nenhum ou por que é que só agora é que me espanto por ver um arco-íris assim, tão vivo, tão nítido, de uma ponta à outra. Depois lembrei-me. É que vivi demasiado tempo nas grandes cidades onde os prédios altos só deixam vislumbrar uma parte do arco. E acho que acabei por perder a esperança nos arco-íris da vida. ("Se chove e faz sol, aparece o arco-íris, pois é, mamã?")

Sete anos depois (e eu que ligo tanto a coincidências cronológicas), tenho a oportunidade de uma nova vida. Nova casa, nova terra, novo emprego. É tudo quase tão novo que, por momentos, me deu medo e aquele aperto no peito que não me deixava respirar ali entre a uma e as duas. Mas de repente, a sensação de aperto passou, o coração acalmou e percebi ali, com aquele arco-íris, que não pode chover para sempre.

O texto pode estar cheio de clichés, mas as fotos são sem filtro.





Viver no campo


Costumo dizer que vim viver para o campo, mas é só para me armar. Isto não é campo. Campo, para mim que nunca vivi no campo, é viver numa casa com uma árvore com baloiço, couves no quintal de trás, roupa a secar na corda, 3 ou 4 cães a guardar a propriedade, uma seara a perder de vista e bicharocos a saltitar por todo o lado. A casa mais próxima ficaria a, pelo menos, 3 km de distância e o único estabelecimento comercial de grandes dimensões seria o da vila, a 15 km.

Ora, entre isso e o sítio onde vivo agora há algumas semelhanças, é certo, como a roupa a secar na corda e os bicharocos que, volta e meia, dão um ar da sua graça, mas as diferenças são mais que muitas. Por exemplo, em vez de couves no quintal há alfaces na varanda. Não há searas a perder de vista, mas há a Arrábida como pano de fundo e um relvado onde nos deitamos numa mantinha com o cheiro no ar da relva acabada de cortar. Não há árvores com baloiço, mas há um limoeiro e uma laranjeira que vão deixando cair frutos em cima das nossas cabeças quando vamos à garagem. A casa mais próxima fica a 50 metros e os cães são substituídos por gatos que não guardam coisa nenhuma, mas trazem pulgas para casa como oferenda de amizade. Ainda por cima são todos iguais uns aos outros e difíceis de distinguir como o raio (em contrapartida, têm nomes muito nobres como Pompeu, Teresinha, Elvirinha... e um dia ainda vos falo do galo Sansão que cá viveu em tempos). À nossa porta passam os miúdos a caminho da escola e ao fundo da rua há mais centros de explicações do que cafés em todo o lugarejo. Portanto, animação é o que não falta.

Mas gosto de dizer que vim morar para o campo. Porque na cidade a minha filha não acorda intrigada com o galo da vizinha que canta tão cedo. Na cidade não podemos fazer o jantar com a porta das traseiras aberta. Na cidade as pessoas na rua não têm um sotaque meio alentejanado e o carteiro não apita à porta de casa para me entregar uma encomenda. Na cidade a piscina para a miúda não custa só doze euros por mês. Na cidade o meu gato não espera por mim ao portão do quintal. Na cidade não vejo borboletas aos pares quando vou a pé ao café, nem caracoletas a namorar no vaso do cebolinho.
Não cidade não há nada disto. Há outras coisas, é certo, mas tenho cá para mim que na grande cidade o Baltazar e a Blimunda eram capazes de durar pouco. Estou a falar aqui dos moluscos, é claro.

A casa

 

 

Não há como um dia cinzento de chuva para nos lembrar de que temos uma rotina. A minha (nova rotina) ainda está a instalar-se calmamente, com a paciência de quem sabe que vem para ficar. Ou assim espero.

Gosto de rotinas. Dão-me uma estranha sensação de segurança. A rotina que me foi mais fácil de adquirir foi aquela que depende maioritariamente de mim, o meu trabalho. Cumpro os horários com rigor e na pausa para almoço vou aparando as pontas à casa, arrumando uma ou outra caixa que ainda espera na fila, estendendo a roupa, regando as plantas, escrevendo um post. Do que mais gosto de fazer nesta casa, além de abrir as janelas de manhã para deixar entrar o sol (não foi o caso de hoje), é ir estender a roupa à corda do lado de fora. Poder fazer a lida da casa ao ar livre devia ser um direito adquirido. Aposto que se pudesse engomar no quintal também me iria passar a saber bem.
 
Fora as caixas ainda por arrumar que escondemos na garagem e que vamos buscando à medida que nos vamos lembrando, ou esforçando por lembrar, a casa ficou catita. De uma casa de fim-de-semana meia abandonada nos afectos, à qual prestávamos apenas a atenção que se dá às coisas temporárias, passou a ser uma casa acolhedora, convidativa, reconfortante para a alma, quente para o coração e fresca para a pele, uma casa de família. E com vontade própria. 
Personifiquemo-la, então.
Descobri que a casa é dotada de um humor muito especial. Talvez ache que tem direito ao seu momento de vingança por só agora estarmos a cuidar dela. Talvez seja apenas uma casa como aquelas nos romances latino-americanos, uma mansão com personalidade própria, espírito irreverente e refúgio de segredos e almas penadas. Tirando a parte da mansão, a casa prega-nos partidas. Ainda mal nos tínhamos instalado e já começavam a desaparecer coisas. Não é de estranhar, pensam vocês, acabaram de mudar de casa, têm meia vida enfiada em caixas, esperam encontrar tudo aquilo de que precisam sem vasculharem em, pelo menos, 8 caixas diferentes? Mas quando as coisas desaparecem à nossa frente já começo a franzir o sobrolho. Estava ali e já não está. Primeiro foi a chucha e, de repente, foram todas as outras chuchas, o que deu origem a uma pequena crise resolvida com uma ida de urgência ao único supermercado mais próximo. Depois foram as chaves. Estavam ali e já não estavam. Como um passe de magia, daqueles em que não conseguimos descortinar o truque, mas sabemos que ele existe, as coisas desaparecem. Eu acho-lhe piada, à casa, convivemos muito e acho que já nos entendemos. Ela também já deve começar a gostar mais de mim porque, aos poucos, durante esta semana, começou-me a devolver as coisas perdidas, uma chucha aqui, um casaco aqui, estou certa que as chaves ainda hão-de aparecer, cuspidas de um qualquer buraco negro escondido atrás de uma porta.
Às vezes também há barulhos. De noite ou de dia oiço a casa a respirar. Vou aprendendo a relaxar e a aceitar estes barulhos como sinais de uma nova vida, uma vida sem vizinhos barulhentos ou obras por cima das nossas cabeças. Uma vida sossegada em que de manhã, quando não chove, ainda dá para a mais velha andar um pouco de bicicleta antes da escola. E, depois da escola, tem havido sempre um pouco de praia à tarde. Esperemos que a chuva dê tréguas e nos permita seguir esta nova rotina mais um pouco. Porque esta casa também se vive muito bem lá fora. E estava-nos a saber bem.


P.S.- Enganei-vos bem, mas não sei de quem é a casa da foto.