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Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Um mês

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Faz um mês que não escrevo aqui.

Muita coisa aconteceu neste mês. Fui aos Alpes (ver foto) e subi, de elevador, ao Aguille du Midi que fica a 3842 metros e, a pé, ao refúgio Bonatti que fica no lado italiano dos Alpes. Caminhei, entre subidas, descidas e travessias pela neve, 11 km numa manhã e achei-me com coragem e entusiasmo para me meter nisto das caminhadas a sério. Visitei um glaciar por dentro e voltei a pensar na Islândia e em como gostaria de regressar. Neste mês, chegou também o verão e, com ele, vários amigos polacos e muita agitação ao nosso pequeno condomínio familiar. Neste mês aconteceram ainda outras coisas, como por exemplo, a festa do Castelo, Portugal sagrar-se campeão no Europeu de futebol e os Arcade Fire terem vindo ao Alive para um (o meu quarto) concerto memorável. São demasiadas coisas para contar de uma só vez, por isso, hão-de perdoar-me o forward, mas vou tentar retomar o blogue como se nada fosse. A ver como me saio.

Estes dias

Já não ficava assim tantos dias sozinha desde que morava sozinha. Há 8 anos, portanto. Percebi que ainda gosto de estar sozinha, mas não pode ser mais do que três dias. Depois disso, começo a ficar macambúzia: quanto menos tempo estou com pessoas, menos quero estar, mas algo em mim me diz que já não é assim que eu sou.

 

O homem está no Mont Blanc, as miúdas estão no Algarve com os avós. E eu, bafejada por uma sorte que só me voltará a calhar daqui a 7 anos, pus-me a fazer planos para fazer tudo aquilo que nunca tenho tempo de fazer. Tomar um banho de imersão. Pintar as unhas (dos pés também). Pôr uma máscara na cara e no cabelo. Costurar. Ir à Hora H na Feira do Livro. Ir jantar com amigas. Dormir. Jardinar. Ir fazer yoga na praia às 7 da manhã (ahahahahah). Ler. Cozinhar. Destralhar o escritório e o quarto das brincadeiras. Ir ao cinema.

 

Com isto tudo, esqueci-me que tinha de trabalhar. Ainda que tenha dito a alguns clientes que estava de férias, só para reduzir as hipóteses de ser incomodada no meu "retiro", infelizmente, ou felizmente, tive mesmo de trabalhar. Não fui ao cinema, não costurei, não fui à Hora H, nem fiz yoga na praia às 7 da manhã (ainda me estou a rir desta!), mas consegui fazer quase tudo aquilo que me propus. Quase, quase tudo.

 

Hoje, quando tirava a última mini fresquinha do frigorífico para acompanhar a minha salada russa (se é que se pode dizer que cozinhei), pensava que, pronto, estão todos perdoados, por favor voltem! Mas ainda tenho um dia só para mim antes de ir ter com o homem aos Alpes e fazer as coisas que ele acha que eu tenho mesmo de fazer. Depois voltamos a estar os 4 juntos no começo do verão e aí é que vai ser mesmo bom.

O fundo das coisas

Ultimamente tive uma série de crises de ansiedade que se revelaram inúteis. A divisa irritante de que a vida se resolve sozinha mostrou ser, afinal, fidedigna. Não valia a pena ter passado meses a debater-me com uma questão que, no final, acabou por ser bastante simples. No seguimento disto, percebi que quanto mais importância dou às coisas, quanto mais falo delas ou penso nelas, mais elas crescem em mim, tomando proporções por vezes desajustadas que só me causam ansiedade. E depois volto ao início. Isto parece um bocado como a lógica da batata, mas sinto que cheguei a uma grande conclusão.

 

E foi assim que resolvi deixar de dar tanta importância a certas coisas. Talvez até comece a ler sobre Mindfulness e isso. Fiz ontem um exercício para ver se resultava e correu bem. O exercício consistiu em não fazer nada sobre uma coisa que aconteceu, não falar sobre ela, não ligar, simplesmente deixar ir. E a verdade é que deixei de pensar nela. Depois, por um feliz acaso agraciado pelo bom tempo que tudo seca, consegui ver o fundo ao cesto da roupa suja, que era coisa que não acontecia há uns largos meses. Mesmo que seja feito para não durar muito, é sempre bom ver o fundo às coisas.

Desejo para os 36: serenidade

Amanhã faço 36 anos num dia de maio chuvoso. O início de maio tem este dom de ser sempre imprevisível. Já houve anos em que fiz piqueniques em Monsanto e outros anos em que a chuva me obrigou a alterar os planos, como agora. Não gosto de chuva, mas gosto de fazer anos. Gosto muito de fazer anos. Continuo a sentir aquela alegria de criança e o desejo de que todos me façam as vontades neste dia. Gosto de estar rodeada pelas pessoas mais importantes da minha vida e costumava sempre juntar muitos amigos neste dia. Mas este ano, à semelhança do ano passado, optei por estarmos só em família. Confesso que não me apeteceu ter trabalho a organizar uma festa, pensar num sítio, num menu, na decoração (e depois limpar no dia seguinte), decidir quem vou convidar e chegar à triste conclusão que tenho poucos amigos e, ainda por cima, alguns deles moram noutros países e continentes. Isto dos amigos dava um post, mas o fim dos 35 já me está a dar demasiado que pensar, por isso este tema ficará para outra vez. Se. Não ando com muita vontade de partilhar a minha vida.

 

Dizem que a idade traz maturidade, por isso o meu desejo para os 36 é apenas um: acordar com um pouco mais de serenidade. E iniciar a minha despedida do Inverno - o Inverno que tem o dom de nos esconder e fazer esquecer que não precisamos de nos esconder. É hora de recomeçar a caminhada. Com muita serenidade.

Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara.

Não tenho o dom da palavra, pelo menos da falada. Sou aquele tipo de pessoa que, numa festa, passa facilmente despercebida. Noto isso quando sou a última a quem passam o champanhe ou quando ninguém parece ter conversa para puxar comigo (isto faz com que, por outro lado, tenha o dom da invisibilidade, o que, convenhamos, também pode dar jeito). Prefiro grupos pequenos onde consigo ser eu mesma do que grupos grandes, especialmente quando há muita gente que não conheço, onde sinto sempre que tenho de me obrigar a participar nas conversas e acabo incomodada com o pouco interesse que desperto nos outros. Não sou, nem nunca fui, o centro das atenções, a miúda que brilha na festa e reina na pista de dança, a pessoa divertida e extrovertida que tem sempre uma piada na manga ou a resposta certa que cai bem em todas as ocasiões. Não sou, pronto.

Em contrapartida, sei que neste blogue e nas redes sociais em geral, há sempre alguém que me presta atenção, que comenta aqui e ali e dá a sua opinião, que faz like às minhas parvoíces no Facebook ou elogia o meu novo vestido no Instagram quando, na vida real, mais ninguém o faz. Bom, não quero ser injusta para a minha filha mais velha que adorou o vestido, quis ver todos os botões e pormenores e fartou-se de me gabar como me ficava bem. Fora isso, contudo, ninguém notou que trazia vestido um vestido com mais de 40 anos, que mandei arranjar à minha medida. "Mas as pessoas não adivinham", dizem-me vocês, "como queres que as pessoas saibam que trazes um vestido da tua avó se não lhes dizes"? Mas a verdadeira questão é: na vida real, as pessoas nem sequer reparam, pois não?

 

É claro que isto não é sobre um vestido. É sobre mim e sobre mim nas redes sociais. Sobre a liberdade de expressão que achamos que temos, mas que não passa de uma ilusão e nos pode meter em sérios sarilhos por causa de um comentário menos feliz num qualquer grupo virtual. Sobre como me tenho relacionado com as redes sociais ao longo dos anos e como a tendência está a ser para me afastar cada vez mais. Sobre como este blogue já foi tão íntimo e pessoal e, hoje em dia, não passa de um blogue displicente sobre costura, comida saudável e vestidos de velha. E sobre como eu não preciso de nada disto para ser feliz.

 

 

* O título é de José Saramago, em Ensaio sobre a Cegueira. E não, o blogue não vai acabar.

 

Para mais tarde recordar

Quem trabalha por conta própria tem de criar uma imagem de marca. É importante para nos destacar da concorrência e para fazer com que os clientes se sintam motivados a contratar os nossos serviços. Especialmente aqueles freelancers que trabalham atrás do ecrã do computador e que raramente conhecem os seus clientes pessoalmente, como é o caso dos tradutores, devem apostar numa boa página, numa forte presença nas redes sociais e numa foto de perfil profissional. É proibido usar fotos tiradas nas férias, de óculos de sol ou com os filhos ao colo. Não queremos transmitir demasiados detalhes da nossa vida pessoal. Queremos uma imagem que passe a impressão certa aos clientes e que, consoante o grau de profissionalismo e simpatia que transmitir, os leve a contactarem-nos. Eu não tenho uma forte presença profissional nas redes sociais. Não ligo muito ao Linkedin nem tenho página no Facebook, mas investi num bom site que está online há quase um ano e já me garantiu alguns contactos.

No entanto, toda a gente me diz que as fotos que lá tenho não são boas. Ou porque não são profissionais ou porque estou com ar demasiado sério. 

Um tradutor não tem de passar uma imagem demasiado corporate. Se há coisa que não somos (não sou) é corporate. Por isso, nada de fotos de braços cruzados ou casaco blazer. Quer-se uma fotografia com ar descontraído, mas profissional. E eu não tinha nada disso.

 

Por sorte, tenho uma amiga fotógrafa. Quem tem amigos fotógrafos tem tudo! E quem tem amigos fotógrafos com talento tem mesmo tudo!

Enquanto punhamos a conversa em dia, a Cláudia ia tirando fotografias, umas para usar no meu site, outras mais descontraídas para os meus perfis nas redes sociais ou até mesmo para as molduras cá de casa. É que ficaram tão giras e gostei tanto do resultado, que vou dar uma de narcisista e espalhar a minha imagem por aí. Ora vejam.

 

E depois disso, podem ir dar uma espreitadela pelos trabalhos da Cláudia e deixarem-se encantar: site iheartyou. Facebook. Instagram.

 

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As fotos foram tiradas no LX Factory que é um sítio onde me sinto muito bem e a roupa que usei é da... Ahahah, era só para me armar em fashionista!

 

Hábitos em desuso

Este ano resolvi mandar fazer postais de Natal para enviar aos meus clientes. Seleccionei 10 clientes portugueses e 10 clientes estrangeiros e vai de mandar votos de Boas Festas e boas colaborações para o ano vindouro. O critério de escolha foi mais ou menos óbvio: clientes com quem trabalho assiduamente e cuja colaboração quero manter, clientes esporádicos mas com quem correu sempre tudo muito bem e quero que se vão lembrando de mim e clientes que deixaram de me enviar trabalho quando aumentei as minhas tarifas, mas que merecem à mesma um cartão de agradecimento pela confiança depositada. É claro que, subjacente, está uma simples estratégia de marketing: não cair no esquecimento dos gestores de projectos das empresas de tradução e, dos outros clientes, dar o meu toque pessoal para que se lembrem de mim naquela altura em que precisam mesmo de uma tradução.

Confesso que não estou à espera de ter nenhum retorno com isto. Não é uma estratégia de angariação de clientes, mas sim de manutenção de clientes. No entanto, os clientes que gostam do meu trabalho vão continuar a gostar se eu continuar a fazer um bom trabalho e não por mandar bonitos postais de Natal.

Ainda assim, num mundo cada vez mais digital, acho que é um investimento interessante. De dinheiro, porque não sai tão caro assim, e de tempo porque é o que de melhor podemos dar aos outros e, bom, para voltar a escrever à mão.

Na verdade, escrever à mão 20 moradas em envelopes fez-me chegar a duas conclusões. A primeira é que já não sei escrever à mão. A mão recusa-se a escrever aquilo que o cérebro lhe dita e mais parece a mão de uma pessoa com Parkinson do que de uma pessoa que ainda há uns anitos (cof, cof...) tirava apontamentos a alta velocidade na faculdade. Uma boa resolução para o novo ano seria passar a escrever mais à mão, o que me leva à segunda conclusão: é que com tanta coisa que já tenho que fazer, se calhar mais vale investir em etiquetas pessoais impressas e perceber, finalmente, como raio se imprimem bem, e à primeira, moradas em envelopes...

Ulisses

"A necessidade é aquilo em virtude do qual

é impossível que uma coisa possa ser de outro modo."

(in Ulisses, James Joyce)

 

Às vezes, quando penso que estudei Literatura, nem acredito. Quando penso que aos 18 anos lia Saramago, Pessoa, Bocage e Baudelaire, não me reconheço. Quando penso que estudei a fundo autores alemães como Novalis, Hofmmanstahl e Kafka, que andava sempre com um livro na mala e que lia 3 a 4 livros por mês, tenho de fazer um esforço honesto para pensar em como cheguei à situação a que cheguei: a de uma pessoa a quem a maternidade e a vida adulta sufocaram a capacidade (e vontade) de manter uma rotina de leitura digna de uma antiga estudante de Literatura. Ultimamente só leio livros técnicos, ensaios e biografias que raramente termino ou romances leves e fáceis que me permitam ler mais de 3 páginas à noite sem adormecer. Acontece, assim, que estou a ler vários livros ao mesmo tempo, sem verdadeiramente estar a ler nenhum. São eles um romance leve em alemão (mas como é em alemão já perdeu toda a leveza que podia ter) sobre um grupo de amigas, totalmente diferentes entre si, que decide fazer o caminho de Santiago, um livro sobre destralhar, em inglês, um livro sobre parentalidade consciente, em português, e outro livro em alemão sobre uma jornalista que se decidiu preparar para o colapso do sistema financeiro e passou um ano sem compras. Se virmos bem, nada disto é estranho em mim, pois são temas pelos quais me interesso bastante e sobre os quais costumo falar aqui.

Mas... e os clássicos, pá? E a Literatura, com L grande? Sou ou não sou uma ex-aluna de Teoria da Literatura? Estudei ou não estudei a fundo Kafka, Novalis, Thomas Mann? Li ou não li o Beowulf?

 

(fim da arrogância e pausa para suspirar)

 

Há um tio na família, pessoa muito culta e letrada, que no Natal nos costuma oferecer os grandes clássicos da Literatura mundial. Desde Dante a John dos Passos, Pamuk ou Cervantes, acho que ainda só falhou nos russos (a ver se num destes almoços lhe digo que ainda nunca li Tolstoi).

É claro que ainda não lemos nenhum. Vamo-los acumulando na estante da sala, estrategicamente dispostos para visita ver. Ao menos isso.

Mas há um que chama por mim: o Ulisses, do James Joyce, na nova tradução. 900 páginas que descrevem os acontecimentos de um só dia, numa paródia à Odisseia de Homero. Aberto a várias interpretações, não é um livro fácil. Mas em 2007, não sei por alma de quem, meti na cabeça que teria de ler o Ulisses de uma ponta à outra durante um ano. Assim, entre Janeiro e Junho, li 9 capítulos (são 12), e teria conseguido terminar a odisseia, não fosse ter regressado a Portugal em Julho e, portanto, ter perdido o foco. Mas, na memória das várias anotações que fiz sobre o livro, fui pesquisar num dos meus antigos blogues, onde as escrevia, e logo me acometeu uma grande vontade de retomar essa leitura.

 

Estava eu nestes pensamentos quando entrou um gato pela portinhola dos gatos (que já são dois). Era o "gato pequeno" como lhe chamávamos - até ao dia em que lhe inventei um nome. O "gato pequeno" que nos rondava a casa em busca de comida e afecto e dormia cá dentro sem nós sabermos. O "gato pequeno" que nos escolheu a nós como família, e que à noite se aninha ao Dexter e ao Balzac em cima do banco da sala, de preferência sobre os lençóis acabados de secar que eu, displicentemente, não arrumei logo. E foi por isso, devido ao cruzamento destes pensamentos, no preciso momento em que decidi voltar a pegar em James Joyce, que escolhi o novo nome para o nosso novo gato.

 

Sejas muito bem-vindo, Ulisses.

 

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(e chegámos ao ponto em que já tenho mais gatos que filhos)

Coisas que não fazem sentido

Estou a ler um livro que menciona um senhor alemão, Franz Konz, um guru da alimentação pré-histórica (não confundir com Paleo). Segundo Konz, um tipo de alimentação baseado em frutos, sementes, flores e ervas encontradas à beira da estrada, sem alimentos cozinhados nem processados, acompanhado de um desporto pré-histórico (seja lá isso o que for) e a renúncia total a cosméticos, sintéticos e medicina tradicional, é o único modo de vida que nos livrará das doenças e nos conferirá uma longevidade superior à média. Konz escreveu um livro, "Der grosse Gesundheits-Konz", ou o grande manual da saúde segundo Konz, a sua bíblia que conta com 9 edições (!), onde inclui fotografias horrendas ilustrativas de todas as maleitas que nos podem acometer se não seguirmos este tipo de alimentação. Faz acompanhar os seus ensinamentos com fotografias de jovens mulheres nuas a fazer desporto pré-histórico (seja lá isso o que for) que, de acordo com o livro da Greta Taubert, eram as suas esposas asiáticas que ele trazia do Oriente.

Isto só por si já tem piada, assim como este vídeo de morrer a rir (tem mais piada se perceberem alemão). Mas a parte melhor é que, depois de passar uma vida inteira a defender um tipo de alimentação anti-cancro, Franz Konz morreu, curiosamente, de cancro. De acordo com quem o conhecia de perto, parece que Franz Konz era, afinal, um homem de vícios e paladar requintado. Durante o dia podia alimentar-se de ervas daninhas, mas à noite empanturrava-se com conservas e comida processada, para depois as vomitar em tremendos acessos de culpa.

Achei esta história muito interessante. Há muita gente assim, que não se rege pelos princípios que advoga. Uma espécie flagrante de "faz o que eu digo, não faças o que eu faço". Como as nutricionistas gordas ou os pneumologistas que fumam. Também me faz lembrar eu, que decidi, durante o mês de Outubro, refrear os meus hábitos de consumo e não fazer compras desnecessárias, mas fui ao chinês comprar os fatos de Halloween para a festa na escola, porque não tenho tempo nem jeito para os fazer eu. Para me redimir, decidi costurar a bolsinha de bruxa que acompanhará o vestido Made in China. Mas isto faz tanto sentido como o senhor Konz ter morrido precisamente da doença que ele dizia poder combater com a sua alimentação, e esta será a única coisa que temos em comum.

Quando as dores chegam

O médico olhou para o meu pé e disse, "E as dores quando chegam? Mais para o fim do dia?"

Pensei durante dois segundos no facto de nunca ter pensado nisso, se é ao fim do dia que tenho mais dores. "Acho que não, doutor, há dias em que as dores chegam logo ao acordar, mal ponho o pé no chão."

Depois de remexer no pé, depois do raio-x, depois de me mostrar o esqueleto de um pé normal e o esqueleto do meu, explicou-me que o calcanhar também precisava de ser mexido, de ser deslocado um pouco mais para a esquerda, "caso contrário, daqui a 10 anos você vai ter dores insuportáveis". Artroses, prenunciou. Falou-me de uma nova operação, agora ou daqui a 10 anos, quando as dores chegarem. Mas se chegam todos os dias de manhã, doutor?

Os médicos especialistas de alguma coisa adoram casos como o meu: tentativas de sucesso da medicina dos anos 80 que hoje em dia se resolveriam numa só intervenção, mas que, dadas as circunstâncias, são resultados do "fez-se o que melhor que se podia e se sabia". Estes médicos especialistas de alguma coisa adoram inventar e remexer e experimentar coisas novas e propor coisas como andar com uma chapa de titânio no calcanhar para o resto da vida. Disse-lhe que ia pensar, por sinal tenho 10 anos para o fazer. Quando as dores chegarem, ele, mesmo que cheguem todos os dias de manhã, eu.

"Por sinal, você aceita bem as suas dores. Há quem não aceite... Ainda bem para si."

 

 É que eu estava de saia.

 

[Não tem sido fácil aceitar-me todos os dias. Há dias em que visto calças, apesar de me apetecer vestir saias, porque não me apetece enfrentar o mundo. Ser forte custa e é preciso estar forte para ser forte. É preciso que tudo o resto esteja a correr bem para conseguir ser forte. Nas últimas semanas nem sempre consegui sentir-me forte o suficiente. Especialmente em dias de ir buscar as miúdas à escola. Gosto mais de ser forte ao fim-de-semana, junto de amigos e família, pessoas que me conhecem e gostam de mim e não me julgam pelo exterior. O que o médico não podia saber é que, apesar de ter ido à consulta de saia, tinha umas calças no carro. Mas como já aqui disse vezes sem conta: é um passo de cada vez.]