As pessoas com filhos acusam-se logo, quanto mais não seja para dizer "O meu também era assim". Foi por isso que soube que as meninas da loja não tinham filhos e que, assim que eu saí, devem ter suspirado de alívio por, de facto, assim ser.
Entrei na loja para lhe comprar uma t-shirt de emergência. Ainda não eram 4 da tarde e já lhe tinha trocado a roupa 3 vezes. Esgotado o meu stock "take away" e, uma vez mais, entornada meia garrafa de água corpo abaixo, a última coisa que eu queria era que, no meio daquilo tudo, ela se constipasse.
Se, até então, já estava no estado "furacão", assim que entrou na loja entrou no estado "Katrina". Não houve calças, t-shirts ou sapatos que não vieram ao chão. Até para cima da montra quis subir e escondia-se atrás (deitava abaixo) dos expositores. Eu, era ver-me a correr atrás dela e a dizer mil vezes "Não", tentando aparentar uma descontracção que não sentia e, no meio de tudo, ainda tentando escolher uma das t-shirts que a menina me ia pondo em cima do balcão. Acabei por escolher 4 porque o meu cérebro parou e riscou o disco...
As pessoas que entravam riam-se, as meninas da loja achavam um piadão. Até àquele olhar do "que pestinha" e ao condescendente "deixe estar, nós arrumamos"... Não valia a pena eu dizer que ela não é sempre assim. Porque sempre que estamos com amigos ela é amplamente elogiada como uma bebé "tão calma e tranquila que dá gosto". Na verdade, não tinha de me justificar. E não me justifiquei. Continuei a minha odisseia de domingo, que o dia ainda ia só a meio.
Chegada a casa, ela dormindo estafada da excitação do dia, consegui finalmente tomar banho e sentar-me no sofá durante 10 míseros minutos em que senti um misto de esgotamento nervoso e vontade de me autoflagelar. Na verdade, tudo tinha sido evitável. Toma lá para aprenderes que da próxima fazes melhor. E tudo não passa do resultado de 9 dias de single parenting que, não me venham com merdas, não é pêra doce quando se está habituado a dividir a atenção por dois. Numa altura em que ela começa a desafiar os limites e a perceber que a vida está cheia de coisas interessantes e proibidas que ela quer ver, sentir e comer, ou que o sofá é mais giro se der para se atirar dele abaixo, entre duas mil outras coisas que quem tem filhos sabe exactamente o que quero dizer, as minhas pseudo tentativas de gentle parenting começam a dar de si. Neste domingo, não só lhe mandei dois berros, como tive uma vontade louca de lhe dar uma valente palmada. Não dei, mas tive vontade. Pensamento que logo me envergonhou e me fez querer redimir-me e falar-lhe a seguir com a voz mais doce do mundo, a tentar explicar-lhe o porquê de não poder fazer aquilo, e a tentar contrariar o desejo de rematar com um "fazes o que eu te digo e acabou a conversa!".
Não quero ser assim. Nós não batemos. Nós não gritamos. Nós tratamos o outro com respeito e avisamos sempre que vai acontecer alguma coisa. Vou-te pegar ao colo. Vou-te mudar a fralda. Vamos entrar no carro. Vou-te tirar a chucha. Vais fazer ó-ó.
Na verdade, nem sempre é assim. Mas é o que tento(amos) implementar a maior parte das vezes. Quando falha, porque falha, é porque não somos super pessoas, nem budas, nem gurus do attachment-helicopter-positive-slow-spiritual-unconditional parenting e mais porra nenhuma parenting.
Na verdade, apetece-me mandar todas estas teorias à merda, respirar fundo, e seguir o meu instinto. Toda a gente falha, toda a gente fraqueja. Há que aceitar, compreender o que nos conduziu até ao limite da paciência e, para a próxima, tentar evitar chegar lá. E respirar fundo, bem fundo. Porque, eventualmente, daqui a 10 minutos tudo passa e ela já se está a esconder nas minhas pernas cheia de vergonha de alguém e a precisar que eu a guie nesta vida tão tortuosa.