É minha!
É o que se ouve mais cá em casa desde há coisa de uma ou duas semanas. Sejam as chaves do carro, o comando do som, o boneco dela, o boneco do gato, a comida, no feminino, no masculino, no plural, tudo é "É minha!". A Inês aprendeu há pouco o conceito de posse e nós estamos no processo de lhe fazer entender que, exceptuando o iPhone da mamã, tudo é de todos e é passível de ser emprestado a outros. É claro que ela ainda não percebeu e, se for como a mãe, só o vai fazer lá para os 12 anos…
Este sábado, enquanto lanchávamos com uma amiga numa esplanada, a Inês foi surpreendida por uma miúda entre os 2 e os 3 anos, que se chegou à nossa mesa e pegou no brinquedo da Inês, sem passar cavaco a ninguém. Ora, a Inês, ciosa das suas coisas por natureza, muito mais quando se vê privada delas sem aviso prévio, desata aos gritos "É minha!", muito inquieta na cadeira, a olhar para mim com aqueles olhos de "Vê lá se fazes alguma coisa que ela é maior do que eu!".
Eu, deparada pela primeira vez com uma situação destas, fiz o que qualquer pessoa de bom senso faria e expliquei à Inês que ela podia emprestar o brinquedo à menina e que ela já lho devolvida. Enquanto isso, fiquei à espera que a mãe da alminha aparecesse.
A mãezinha lá apareceu, sim, mas só depois de a filha dela ter fugido com o brinquedo e de a minha ter desatado a correr atrás dela. Fiquei muito orgulhosa da piquena, não há bullyer que se vá meter com ela na escola, mas levantei-me, só naquela, não fosse a outra dar-lhe com o brinquedo na tola (que tinha um cabo mesmo propício a isso). Esta brincadeira ainda demorou algum tempo. A Inês lá recuperou o brinquedo, mas a outra matulona não desistiu e insistia em tirar-lho. Eu vigiava a coisa de perto e ia acalmando a fofa com a minha voz super meiga e doce, mas do que estava mesmo à espera era que a outra mãezinha se dignasse a deter a filha e a explicar que bullying em tão tenra idade é feio. Mas, não, ali ficou, impávida e serena, a gemer o nome da filha de vez em quando, enquanto ia conversando com a amiga e analisando as unhas das mãos. Estive quase, quase, para lhe perguntar se ela estava à espera que fosse eu a educar a filha dela, se nunca lhe ensinou que não se tiram brinquedos a desconhecidos sem se pedir e muito menos a criaturas mais pequenas do que ela. Foi só quando a minha filha se quis refugiar na casa de banho (é o que eu digo, a miúda safa-se!) e eu a resgatei e pus um ponto final à perseguição, que a mãe da outra decidiu acalmar o monstro.
Ora bem, lembrei-me disto na sequência de uma conversa sobre as fases pelas quais os miúdos passam e da malcriadez dos mesmos (e dos pais dos mesmos). Acredito que, na maior parte dos casos, os pais têm culpas no cartório. Esta mulher precisava, claramente, de duas bofetadas na cara balofa para acordar para a vida e deixar de criar um monstrinho. Em muitos casos, no entanto, acho que é mesmo da personalidade dos miúdos e que os pais não se podem sentir culpados por não terem agido em conformidade na altura certa.
Não foi, contudo, o caso desta mãe. E se a coisa não foi grave nem teve repercussões sérias, a mim irritou-me o suficiente para estar a falar disto dois dias depois. Irritou-me principalmente porque não estava preparada para cenas destas, para lidar com a não educação dos outros ou com a impavidez dos outros pais. Será que, para proteger os nossos filhos dos outros, temos o direito de chamar a atenção dos outros miúdos/pais? Se fosse ao contrário, será que eu gostava? Provavelmente não. Mas não me estou a ver a assistir calmamente à minha filha de 3 anos a perseguir uma bebé de ano e meio para lhe tirar um brinquedo que não é dela. Basicamente roubar à descarada. Não, não me estou a ver a fazer isso. Mas, se algum dia acontecer, por favor, ralhem comigo. E com ela. Mas primeiro comigo.