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Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Isto já passa

Belém
Há dois anos passei por uma família francesa que viajava por Portugal de bicicleta e levava o seu filho pequeno num atrelado. Descobri-lhes a página no Facebook e ainda lhes segui as aventuras durante algum tempo, mas entretanto perdi-lhes o rasto. 
Este Verão, o pai das minhas filhas subiu ao Pico e, durante a subida, conheceu uma família com duas filhas que tinha ido acampar com as miúdas lá para cima. Ainda hoje ele fala nisso e em como gostava de levar as suas filhas a fazer o mesmo daqui uns anos.
O ano passado, ou há dois anos, já não sei bem, a família viajante mais mediática de Portugal começava uma volta ao mundo com uma criança de 5 anos, deixando muitos horrorizados com a ideia de levar uma criança tão pequena para destinos tão longínquos e exóticos, outros surpreendidos com tamanha coragem e ainda outros, como eu, com a garantia confirmada de que ter filhos não tem de ser impedimento para nada e que está tudo nas nossas cabeças. É claro que tem de haver dinheiro para isso e uma série de condições favoráveis, como a mobilidade do trabalho de, pelo menos, um dos progenitores. Mas reunindo-se essas condições, é só mesmo uma questão de mudar o chip.
Há poucos dias, li a notícia num blogue de que gosto muito de que esta família com dois filhos decidiu largar tudo e partir em viagem durante um ano. A única diferença dos casos acima citados, é que estas crianças já estão em idade escolar. Para não perderem o ano, os pais vão ensiná-los em viagem de acordo com o programa curricular, em regime de homeschooling.

Sesimbra
Depois do sentimento inicial de inveja, fiquei maluca. Comecei imediatamente a pensar que nós também nos devíamos atirar para uma aventura destas. E quando. Quando as miúdas tiverem pelo menos cinco anos, para que as memórias da viagem não se desvaneçam com as dores de crescimento. Tendo em conta que a Alice nasceu há poucos meses, isso dá-nos uma margem de cinco anos para começar a poupar e planear, o que acho que é razoável, tanto para aprofundarmos esta ideia como para a largarmos de todo (o mais certo). Imagino, com um encolher de ombros, o que os avós iriam dizer. Mas imagino, com um sorriso nos lábios, as marcas profundas que uma viagem deste tipo poderia deixar nas minhas filhas. O que lhes poderia ensinar, sobre elas, sobre os outros, sobre elas com os outros, sobre a entreajuda familiar, sobre o desapego aos bens materiais, sobre o aproveitar o aqui e o agora, sobre isto e tanto mais, tanto mais.
Muitas vezes penso que me faltou dar uma volta ao mundo antes de ter filhos. Como se a porta se tivesse fechado permanentemente agora que já tenho duas. Como se ir viajar agora só puder ser feito a dois, porque o preço dos bilhetes de avião sobe exponencialmente quando somos quatro, porque também precisamos de uns dias só a dois e porque elas também ficam tão bem com os avós e lhes é basicamente indiferente ir passar uns dias ao Brasil ou ali a Montegordo. Isso é tudo muito verdade, pelo menos enquanto ainda são pequenas. Mas quando deixarem de dar tanto trabalho, quando começarem a perceber as coisas e a ver o mundo com outros olhos, gostava de pensar seriamente nisto de as levar a conhecer o mundo, de lhes dar as bases para viverem em comunidade, descentradas de si próprias, com consciência do lugar que têm no mundo e do que nele e dele querem fazer.
Podemos começar com uma viagem por Portugal durante três semanas. Ou com uma viagem pela Europa durante as férias do Verão. Ou se isto for pedir muito acampar na Galiza também servirá para me apaziguar as ganas de lhes querer proporcionar a melhor infância do mundo fora da rotina quadrada que muitas vezes levamos.
Tapada da Ajuda
Sonhos, não passam de sonhos num breve momento de loucura temporária. Quando o homem chegar de viagem e me fizer uma ou outra pergunta, porque ele pensa sempre em tudo, e eu puser de vez os pés no chão e vir que isso afinal é para os outros, vou engolir em seco e continuar na  minha vidinha que não é má de todo e contentar-me em levá-las a passar uns dias num bungalow em Peniche. Ou apanhar pedrinhas para o parque perto de casa. 
Se formos a ver bem, é tudo uma questão de gestão de expectativas.

Linda-a-Velha

Morangos para o jantar


Ela ainda não sabe, mas esta semana vai haver morangos para o jantar. Que é o mesmo que dizer: vai entrar a "semana do bandalho". Ele bem me fez prometer que não a vou deseducar, mas ficou contente com a minha definição de deixá-la fazer o que quer "dentro do razoável". 
Sempre que o pai está fora, eu basicamente não estou para me chatear (não é bem isso, mas espremido vai dar ao mesmo). A verdade é que ela se porta melhor quando está sozinha com um de nós do que quando está com os dois, portanto eu nem devia estar com coisas. Mas mulher prevenida vale por duas e já tenho tudo pensado ao pormenor.
Comecei por me abastecer daquele tipo de comida de que ela gosta e que nós nunca ou nem sempre lhe damos, mas não posso pormenorizar, porque o pai dela vai ler isto. Chamemos-lhe a estratégia da compensação com comida, mais conhecida por "come e deixa-me ver o Facebook". Funciona, se é que ainda não deram por isso.
Depois passa muito por sair da rotina e fazer coisas giras. Ir à piscina, fazer bolinhos, pintar caixinhas (e camisolas...), deixá-la ver filmes no Youtube enquanto se faz o jantar, quiçá dormir comigo e com o gato na mesma cama (estou aqui a pensar que o co-sleeping pode ser uma técnica eficaz para evitar os terrores nocturnos... mas também ajuda a que não tenha de me levantar muitas vezes durante a noite - mas este ponto ainda está em estudo) e no domingo ir ver não sei o quê na Ler Devagar que diz que é giro. Quando tudo o resto falhar, vamos ao restaurante comer pizza e gelado.
Ainda pensei em deixá-la não tomar banho durante uma semana inteira, mas acho que isso já é dar mau exemplo.

O truque é descomplicar e passar uma semana sem grandes atritos ou imprevistos. Vou estar sozinha com uma de três e outra de peito, razão mais do que suficiente para não me poder deixar vergar pela inflexibilidade do dia-a-dia. Se fosse mãe solteira, não podia alimentá-la sempre a douradinhos, mas como não sou, acho que me é permitida uma dose saudável de desleixo parental.

É claro que, na pior das hipóteses, fica tudo como estava, o que também não é necessariamente mau.

Os terríveis três

Para aqueles pais que estão a ter um princípio de parentalidade difícil, com noites mal dormidas, rabos assados, mamilos gretados e petizes que não aceitam a papa, eu só tenho uma coisa a dizer: esta é a parte fácil! Esta fase, desde bebés até ao ano/ano e meio - quando começam a andar e a falar e a fazer coisas realmente engraçadas e enternecedoras, em que o enamoramento é total - é a parte fácil. É que depois disso chegam os dois anos e com eles as primeiras birras de se atirarem para o chão, a vontade própria do eu quero, posso e mando, a consciência do eu e do mundo em redor deles, entre outras coisas com muito menos racionalidade. Os "terrible two", prometem os livros sobre parentalidade, são só isso mesmo, terrible two. Aos três tudo será diferente, vão ver. 

(Nesta parte sou eu a cantar aquela música do Jorge Palma "deixa-me rir... lá lá lá".)

Mas os três, senhores, os três são bem piores. Os três são... humm... como dizer... maléficos? É claro que tem aquela parte gira de eles já se saberem expressar bem e poderem ter conversas com princípio, meio e fim, e serem muito fantasiosos e criativos e vos dizerem coisas como "és a minha mamã fofinha" e vos fazerem rir (e se rirem) com as coisas mais parvas. Mas falar muito e bem traz um problema: a argumentação. Com três anos uma criança argumenta (e se argumenta...) e negoceia (e se negoceia...) e é capaz de nos deixar com a cabeça em água em dois minutos e meio. Depois têm comportamentos autistas como só poder comer a banana se forem eles a descascá-las ou os lápis terem de estar todos virados para cima senão o mundo acaba ou escolherem, determinados e irredutíveis, a indumentária que querem levar para a escola nesse dia (se bem que o resultado é o mesmo quando é o pai a escolher-lhes a roupa). Isto para não falar dos terrores nocturnos, que dão a sensação de estar a viver certas cenas do filme "O Exorcista" (yes, been there...). 

Segundo consta, os quatro também não são melhores. Ou, pelo menos, é melhor manter as expectativas baixas. Agora aos cinco é que é, ouvi eu de duas fontes fidedignas. Portanto, isto é como a promessa de retoma do país. Estão na merda agora, mas não se preocupem que isto em 2040 é que vai ficar mesmo bom. Não interessa nada se ainda só estamos em 2014, porque em 2040 é que é. 
Assim é com os filhos. 

Pais do mundo: diz que é aos 5 que eles ficam tratáveis! Rejubilai de alegria! A salvação existe!

(Portanto, gozai agora a fase em que os podeis deixar na espreguiçadeira entretidos com um boneco durante vinte minutos seguidos: a fase dos bebés que só mamam, cagam e choram é, sem dúvida, a única fase verdadeiramente descontraída!)

Lenços solidários

Tinha feito uma selecção de três lenços para vender, resultado da minha edição de destralhamento de roupa na mudança de estação. Peguei neles e, em vez de os vender, meti-os num envelope e enviei-os para a Vânia
Saibam tudo aqui e aqui.



Morada para envio dos lenços:
Jardim da Cerveja (a/c da Vânia Castanheira) Rua Frei Nicolau Oliveira, 28, 2750 Cascais

Pontos de Recolha de Lenços:
Jardim da Cerveja- Cascais
Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa- Lisboa (Avenida de Ceuta)
Clube VII- Lisboa (Parque Eduardo VII)
Confraria da Empada- Lisboa (Edifício Tonik Laranjeiras)
Lx Factory- Lisboa (na portaria, ao cuidado da Paula Pinheiro Rocha)
Sweet Handmade- Lisboa (Rua Pinheiro Chagas, 33)
Confraria da Empada- Belém (Centro Cultural de Belém)
Confraria da Empada- Oeiras (Rua Carlos Paião, Vila Fria-Oeiras)
2be Centro de Estética- Oeiras (Rua Ernesto Veiga de Oliveira , nº 14 A, Oeiras)
Loja Kopie- Oeiras (Urb. Moinho das Antas Rua do Chafariz, 13-A- Oeiras)
Confraria da Empada- Carcavelos (Riviera Center)
Bloodoathtattoos- Sintra (Rua Serra de Baixo nr18 Algueirão)
Sapataria Cecil- Porto (Rua Alexandre Braga nº21, traseiras do Mercado do Bolhão)
Conto de Fadas- Viana do Castelo (Rua Gago Coutinho, nº113, Viana do Castelo)
Farmácia Salgado- Golegã
Sónia sousa-flores e plantas- S. Miguel- Açores ( Rua dta da madalena nº42- S. Roque)
Veigas Imobiliária- Albufeira (Estrada de Santa Eulália – Edificio Santa Eulaliamar Lote 3, Loja 11)

Crochet é fixe #1



Daqui
Porque ainda franzem o sobrolho quando eu digo que gosto de fazer crochet, que é coisa de velha. Para mostrar como crochet não é renda de naperon (e até essas podem ser reaproveitadas para fazer coisas giras), vou deixando aqui algumas imagens de artigos cool em crochet (ou, pelo menos, na minha óptica de cool...), começando pela minha mais recente obsessão: os quadrados, ou granny squares. Fazer um casaco de quadrados é um objectivo completamente inatingível, não pelo grau de dificuldade, mas pela minha falta de paciência. Já pensei em fazer um para uma das pequenas, mas quando o acabasse elas já teriam, pelo menos, 18 anos, de modos que fica para uma outra vida.

Partos difíceis

Arundhati Roy escreveu a sua obra-prima "O deus das pequenas coisas" aos bochechos. Tinha o manuscrito na gaveta e, sempre que podia, escrevia duas linhas às escondidas. Ou isto é mentira ou é deveras impressionante como ela conseguiu manter o fio condutor e escrever uma história com cabeça, tronco e membros. Ainda este fim-de-semana falei nisto.
 
Similarmente, embora noutro registo completamente diferente e sem as mesmas genialidade e perfeição, assim aconteceu com o meu primeiro tank top Wiksten. Invejando as blusas da Rosa Pomar, decidi comprar o molde e confeccionar a peça em casa. Comprei um tecido para o efeito que adorei e que me custou os olhos da cara (bem feita para aprenderes a perguntar o preço antes), mas à laia de teste experimentei antes numa capulana escura (sempre disfarça melhor as imperfeições) que trouxe de Moçambique.
 
 
Foi um parto difícil. Não pela dificuldade de confecção em si, porque não é mesmo nada difícil, mas porque nunca me consegui sentar diante da máquina de costura durante mais de 20 minutos seguidos. Ora era a bebé que me pedia colo, ora eram as obras no andar de cima que me obrigavam a sair de casa, ora isto ou aquilo, o certo é que demorei bem mais de duas semanas a fazer uma coisa que se pode fazer numa manhã. Quando finalmente a acabei, foi uma emoção e constatei que está quase-quase perfeita e que sem soutien de amamentação é que vai ficar mesmo bem... Agora é esperar pelo bom tempo para a poder usar!
 
De parto bem mais difícil foi o cachecol de quadrados (granny squares) que fiz para a mais velha. A bem dizer, era para ser para mim, mas a preguiça falou mais alto e para a pequena sempre foram uns quantos quadrados a menos que tive de fazer. Comecei durante a minha baixa forçada, ainda grávida, mas só voltei a pegar nele depois do workshop que me ensinou a pegar quadrados e a fazer rosetas, a minha nova perdição. E também foi assim, aos bochechos como o livro de Arundhati, tentando não lhe perder o fio à meada. As  pontas ia-as rematando enquanto passageira nas viagens de carro e aos fins-de-semana com as minhas filhas ao lado, uma a olhar e a outra já a querer imitar-me, e percebi que isto de rematar pontas de quadrados e rosetas é tarefa para levar qualquer pessoa à loucura total. A blusa em rosetas que estou a fazer para mim é bem capaz de ficar pelo caminho só de pensar no trabalho de remate que me espera. Ainda assim, a satisfação de ver acabado algo manufacturado por nós é impagável. Uma espécie de cura para a falta de auto-confiança. Mesmo.
 
 
 


 

 
 

A era pós-torradas com manteiga (ou o combate às banhas)

Teaser (daqui)

Farta das banhas acumuladas na gravidez, ando a tentar emagrecer. Já não tentava emagrecer há uns 6 anos quando fui diagnosticada com pré-diabetes - emagreci, mudei a minha alimentação, comecei a fazer exercício (nem sempre numa base regular) e reverti os valores para um estado de não (pré-)diabética. 1-0 para mim. 

Engravidei da Alice e a coisa descambou. Não só comecei a comer o que me apetecia (e apetecia-me tudo a toda a hora), como tive uma gravidez bastante sedentária devido à baixa forçada. É claro que os quilos a mais ainda se fazem sentir 4 meses depois do parto. Não estando gorda, estou com "aquele" pneu na zona abdominal e pernas que parecem claras em castelo. Como já não sou pessoa para me conformar com o meu corpo e não me escondo atrás da gravidez como desculpa para me desleixar (continuo a pensar mais ou menos da mesma maneira desde este post, se bem que não tão fundamentalista), iniciei uma dieta pró-amamentação com o início da Quaresma Infiel. Como estou a amamentar, não posso entrar em dietas extremas, mas posso perfeitamente cortar nas comidas processadas, no pão e nos doces, comer mais salada às refeições, fruta em vez de sobremesa, beber muita água e sumos verdes (diz que está na moda mas eu já os ando a beber há algum tempo), comer mais vezes durante o dia e menos de cada vez, e foi o que fiz. Comecei também a investir no exercício físico. Voltei a correr (ou mais ou menos), tenho tido treinos personalizados uma vez por semana que me deixam com um andar estranho durante cinco dias e estou agora a complementar este treino com aulas de ginástica localizada no ginásio e outros treinos que o PT me manda fazer em casa (que incluem coisas que parecem tão simples como saltar à corda, mas gostava de vos ver a saltar à corda durante oito minutos seguidos sem vomitarem os pulmões!). Todos os dias tenho dores musculares em alguma zona do corpo, mas a verdade é que já reduzi 2 cm de perímetro abdominal desde há um mês, portanto vejo estas dores como aliadas de um corpo esbelto e firme (haha!).

Mas eu gosto de comer. E, portanto, a comida na fase de emagrecimento tem de me saber bem. Começando com o pequeno-almoço, aquela refeição que nos deve dar energia para o dia, gosto de alternar e, principalmente, de ir para a cama a pensar no pequeno-almoço do dia seguinte. Isso nunca me aconteceu quando comia só torradas! E o pequeno-almoço que mais me faz salivar (literalmente) são as overnight oats. Ou seja, papas de aveia com iogurte e fruta em camadas preparadas na noite anterior (o que ajuda a ir para a cama a pensar nelas), uma espécie de trifle de aveia saudável. Já experimentei várias receitas, mas tenho-me mantido fiel à mesma receita básica que já não sei se fui eu que inventei se vi em algum lado. Como nenhuma das minhas experiências ficou dignamente fotografável, a coisa parece-se mais ou menos com isto

imagem do Pinterest

[e faz-se assim:

2 colheres de sopa de aveia
leite vegetal para cobrir a aveia
1 banana pequena
1 iogurte grego natural (ou outro qualquer)
5 ou 6 framboesas (ou outra espécie de fruto silvestre)
frutos secos (noz, amêndoa, avelã e caju, 2 ou 3 de cada qualidade) e/ou bagas góji
Xarope de agave (ou de áçer ou mel) por cima dos frutos secos

Juntar a aveia com o leite no fundo do frasco, depois juntar os ingredientes em camadas pela ordem da lista de ingredientes (primeiro a banana, depois o iogurte, etc.) sem mexer (esta parte é importante) e reservar 6-8 horas no frigorífico.]

Fica delicioso! Vão por mim: é de comer e chorar por mais. Logo de manhã recebo assim a minha dose de fruta, cereais e energia para uma manhã proveitosa.

Mais receitas de overnight oats aqui e a receita base.
Outras imagens de babar no sítio do costume.

Se tiverem interesse, posso escrever sobre os ditos sumos verdes de que toda a gente fala agora. Se não tiverem interesse, escrevo à mesma que de democracia não reza a blogosfera.

Mensário

Está uma conversadora que só ela. Ri e sorri muito, quer para os da casa, quer para os de fora, para conhecidos e estranhos, para os de bem e para os outros, que isto a gente nunca sabe da verdadeira intenção das pessoas que se chegam para ver a infanta, mas é acreditar que tudo vai sempre correr bem. Pouco chora, a vida corre-lhe de feição, e quando o faz é invariavelmente porque tem fome ou sono e isso é coisa para depressa se remediar. Adormece que é uma beleza, o verdadeiro sonho de qualquer mãe. Já descobriu que as mãos são mesmo dela e dão um jeitaço para pegar naquilo que os dedos não lhe falhem e já se entretém muito naqueles ginásios apropriados para a idade. Também adormece que é uma beleza,  já tinha dito? De resto, não dá trabalhinho nenhum, a minha santa menina. Deixa-me ir almoçar fora com as amigas e é a única pessoa que consegue olhar para mim com verdadeiro fascínio e admiração logo pela manhãzinha. Também me lança olhares de pura satisfação sempre que a levo ao parque com bom tempo e a ponho a olhar para as árvores. Há que respeitar tanta gratidão por coisa nenhuma. Não sei que fiz eu para ter tamanha sorte com os bebés, mas há-que dizê-lo finalmente à boca grande: a vida corre-nos bem aos 4 meses.

Este não é um texto triste, é um texto sobre as melhores memórias que se podem ter

Não me lembro de ter alguma vez visto a minha avó furiosa ou enraivecida. Não me lembro de alguma vez me ter ralhado, gritado ou batido. Durante os primeiros três anos de vida foi ela quem me criou e, depois disso, era ela quem me acolhia durante todas as longas férias escolares durante as quais a minha mãe não podia ficar comigo em casa. Foi ela que me passou as poucas raízes alentejanas que tenho e é dela que ainda retenho nas papilas gustativas o sabor da melhor tomatada de frango que não hei-de voltar a comer. Dizem que não guardamos recordações de tão tenra idade, mas eu quase que juro que me lembro perfeitamente desse tempo, desses primeiros três anos. Talvez à força de me terem contado as mesmas histórias vezes sem fim, consigo visualizar com detalhe aquela vez em que a minha avó andou atrás de mim na rua com um prato de comida, enquanto eu brincava, e aquela vez em que subia as escadas para os quartos entre ela e o meu avô que me ia fazendo cócegas a cada degrau e eu ria que nem uma perdida, aquela vez em que se zangou comigo por ter entalado os dedos na porta à minha amiga, depois de ela nos ter alertado dez vezes sobre os perigos de brincar a fechar e abrir a porta da rua, e ainda aquela vez em que, durante o penoso luto da morte do meu avô, eu achei que a melhor maneira de a distrair seria ensiná-la a escrever. Ainda consegui que escrevesse o A do seu nome, naquilo que eu achei dever-se à minha fantástica capacidade para ensinar, mas que na verdade se deveu à sua fantástica capacidade para me amar.

A minha avó foi a enterrar este sábado. Chorei um bocadinho quando vi o caixão descer para a terra, como uma metáfora fatalista do não retorno, e ouvir o choro das minhas tias, das minhas primas, das vizinhas fez-me pensar que, se calhar, também eu deveria estar a chorar copiosamente. A verdade é que fui chorando tudo o que tinha a chorar ao longo dos últimos 8 anos em que a vi definhar na cama do lar, desde o choque da primeira vez em que ela não me reconheceu até à última visita em que podia jurar que lhe vi um brilhozinho nos olhos quando lhe falei das bisnetas. A verdade é que me custava muito vê-la assim, tanto que muitas vezes não consegui sequer vê-la, muitas vezes adiei as visitas porque me recusava a preencher o meu mapa de memórias da minha avó com tão tristes imagens. Foi a minha forma cobarde de lidar com a realidade, mas de pouco servirá martirizar-me por isso.

Ao longo destes últimos anos, fui chorando tudo o que tinha a chorar, já disse. E fui-me também preparando para o dia do telefonema a informar do inevitável. Quando o dia chegou, eu soube antes de mo dizerem e também soube que estava preparada para o ouvir. Depois de desligar, respirei fundo e chorei baixinho sem ninguém ouvir naquele que foi um instante de alívio, porque agora, sim, se lhe acabara o sofrimento.

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