A segunda manta
Lembram-se desta manta? Da minha vã tentativa de dar o meu contributo para uma iniciativa solidária de aquecer os refugiados? Graças à personalidade forte da minha máquina, acabou por nunca acontecer. Entre desmanchar e voltar a coser tudo o resto à mão, passaram-se vários meses, mas a manta, depois de passado o prazo para a entregar, acabou por ganhar outro destinatário: a minha mãe, que se embeiçou por ela mal a viu, ainda antes de a máquina dar o berro, quando ainda pouco mais era do que umas tiras de tecido cosidas umas às outras. O tempo foi passando e a manta foi-se transformando na "manta para a minha mãe".
Uma manta de retalhos não se faz à pressa, como eu logo percebi. É preciso amor para fazer uma coisa destas. Para além de tempo, muito tempo, ou o tempo suficiente para enfiar histórias na agulha e ir juntando pedaços da nossa vida. O percurso desta manta, que foi feita entre Setembro e Dezembro, simboliza mais ou menos a minha relação com a minha mãe: impulsivo no início, com a pressa de quem tem urgência em viver, tumultuoso e frustrante lá pelo meio, e, na recta final, aquele recomeçar do zero com a paz de espírito e a tranquilidade que a vida adulta nos dá.
Não é uma manta perfeita, pois reflecte bem a pressa inicial, mas é uma manta com história. E, acima de tudo, é uma prenda 2 em 1: não é apenas uma manta que aqui está, é também o meu tempo. E acredito que o tempo é aquilo que de mais valioso podemos oferecer aos outros.
Feliz Natal!