Da série: Viver em Sesimbra
Estava farta de trabalhar. Ele ia correr e as miúdas estavam na avó. Peguei no meu livro e desci até Sesimbra. Àquela hora já é fácil encontrar lugar para estacionar, já há muita gente a sair. Ainda assim, como raramente sou bafejada pela sorte como a minha amiga Mónica, cujo mantra “há sempre alguém que sai” só funciona mesmo com ela, decidi enfiar logo o carro no parque. Antes da praia, passei ainda pela feira do livro na Praça da Califórnia com o intuito de ver, folhear, ler as badanas, me demorar. Porque hoje posso, porque hoje estou sozinha. Acabei por comprar uns livritos. Autores escandinavos, só um. Só mais um. Depois desci mesmo até à praia e sentei-me na esplanada. Pedi uma imperial, descalcei-me, enfiei os pés na areia e abri o meu livro. Ainda me distraí com os adolescentes na mesa atrás que falavam sobre a música de um sunset qualquer. Bombay One, Bombay Two, Bombay Three, The Star of Bombay. Ou será que falariam de gin? Teci umas poucas considerações sobre o ecletismo dos seus gostos e afugentei a imagem das minhas filhas à conversa com aqueles rapazes, daqui a dez anos. Abanei a cabeça, como que a afastar uma imagem arrepiante, e embrenhei-me na leitura. Assim fiquei, de pés enfiados na areia, até anunciarem o fim do serviço de toldos. Eram sete da tarde. Guardei o livro, limpei a areia dos pés e subi o passadiço, serena e feliz.