Mamã
Agora tinha de fazer contas, mas a Alice deve ter uns 18 ou 19 meses e ainda não fala.
Toda a gente acha que já devia dizer umas coisas, mas toda a gente acha sempre alguma coisa e nós vamos sempre respondendo com uns pois e uns tem tempo e não ligamos. Mas começa a fazer falta que se consiga exprimir e até nós já começamos a ficar impacientes, embora eu cá ache que ela só não fala porque não quer. Seja por preguiça ou sentimento de superioridade, o certo é que ela percebe tudo, diz tudo sem nada falar e tem uma expressão facial guardada para cada momento. No outro dia, ironizou com o pai à mesa ("Ela está a gozar comigo, não está?"), sem uma palavra dizer. Bom, na verdade em Abril disse pela primeira vez gato e mamã, mas depois disso voltou a calar-se e a meter-se na sua vida e só agora, durante estes dias quentes, é que começou a desenrolar a língua e a formular sons que se parecem com aquilo que nós queremos ouvir: não (a palavra preferida), mamã, papá, papa, não quero, morango. Ok, já estou a exagerar, ainda não disse morango, embora eu pudesse jurar que sim...
Ficamos sempre deliciados a olhar para ela, a sorrir e a dizer baboseiras parvas (virá algum pediatra dizer que não devemos dar demasiada importância a isto, mas eu acho irresistível ouvir a voz dela sem ser através de grunhidos). A malandra, que já goza com o pai à mesa, percebe que a casa pára de cada vez que emite um conjunto de fonemas e abusa do "mamã" à hora de deitar. Hoje, por exemplo, a Alice não achou muita piada ter ido o pai deitá-las e emitiu um mamã tão bem pronunciado, tão doce, tão sôgrefo, tão desesperado, tão nasal que quase desfaleci de tanta ternura.
Ouvir mamã pelas primeiras vezes é capaz de fazer parte daqueles momentos reveladores em que a maternidade faz todo o sentido. Vou tentar lembrar-me disto quando ela voltar a atirar a sopa para o chão.