Mude-se a lei, mudem-se as vontades
Vamos lá a ver se nos entendemos, Sr. Oliveira. Eu não acho que a "vida do humano mais asqueroso valha mais do que a vida do animal doméstico de que mais gostamos". Seria incapaz de viver na mesma casa com o Adolf Hitler, o Himmler, o Kaddafhi ou mesmo a Lady Gaga. O meu gato vale mais do que qualquer um deles, porque o meu gato, apesar de dar pelo nome de um serial killer da televisão, é incapaz de ordenar a morte de 6 milhões de judeus, só para dar um pequenino exemplo. Incapaz em todos os sentidos, claro está, mas não será por isso mesmo, pelo facto de possuir livre arbítrio, que o animal homem é muito mais perigoso do que todos os outros?
Eu sou uma defensora dos animais. Sou filiada do PAN, não uso peles ou quaisquer produtos de marcas que eu saiba que testem em animais, contribuo mensalmente para uma associação de ajuda a animais abandonados, deixei de comer carne (tirando raríssimas excepções desde Setembro passado) e vejo-me, de vez em quando, a braços com cães ou gatos abandonados que quero salvar mas nunca encontro nenhuma associação disposta a acolhê-los (isso agora daria pano para mangas) e os animais acabam por ficar na rua, à mercê dos carros e da chuva, mas sempre com a certeza de que há alguém que lhes dá comida. Porque eu, ao contrário de muitos activistas da causa animal que conheci bem mais activistas e fundamentalistas do que eu, tenho uma bebé em casa e um gato que preza a sua singularidade e um marido que não vai nas conversas de "agora vou trazer para o nosso pequeno apartamento um cão piolhoso e traumatizado que vai dormir connosco até lhe encontrarmos um lar". E, apesar de já me ter chateado com isso, percebo e aceito e agradeço que assim seja porque, não sei se isto será óbvio para todos, o bem-estar da minha filha é-me muito mais importante e indispensável do que o bem-estar da cadelinha Chelsea ali da rua de trás.
Mas não foi por isso que ainda não assinei a petição para o não abate do Zico. Não assinei porque ao princípio não percebia bem o teor da petição. Além de estar muito mal escrita, pobre e mal fundamentada, os autores da petição fizeram um péssimo trabalho a sublinhar realmente o que de facto se pretende: mudar a lei e não, como muitos gritam, responsabilizar os pais do bebé que morreu. Vamos a ver. O cão estava fechado, era mal tratado, estava em stress. É claro que a culpa é dos donos e não do cão. O cão não decidiu atacar por maldade ou porque lhe estava no sangue. O cão atacou porque estava em stress e porque de repente se deve ter visto assaltado por uma criatura mais pequena que ele que lhe subiu para o lombo (estou eu a imaginar, não sei se assim foi) e acabou por se virar contra o bebé, cuja morte eu lamento muito e já pensei tanto sobre isto e sobre o que os pais devem estar a sofrer que acabei por me deixar toldar pela compaixão que sinto por alguém que perde um filho, ainda para mais sendo um bebé, o que a mim, tendo eu uma em casa, me toca profundamente. Acabei por me chatear com alguns comentários fundamentalistas que tenho lido na Internet sobre como é preciso responsabilizar os pais da criança. Não creio que a solução passe por aí. É claro que eles deviam ter protegido a criança, é claro que eles eram responsáveis pela protecção tanto da criança como do cão, mas faz-me muita impressão que se queira punir alguém que acabou de sofrer a maior perda de sempre. Acaso eles não foram já punidos o suficiente com a morte do seu filho? É urgente, sim, mudar a lei, mudar a forma como a lei vê os animais, mudar a forma como a lei vê os donos dos animais. Como diz um amigo meu que tem um cão, a maior parte das pessoas que tem cães não os devia ter, não está preparada para tal, quer em termos de infraestruturas, quer em termos de tempo e disposição para treinar o animal e lhe dar a liberdade de que precisa para soltar a energia acumulada ao longo de um dia fechado num apartamento. Assim como há cursos de preparação para o parto, assim como há penosos e morosos processos de adopção de crianças, devia haver também a obrigatoriedade de frequentar um curso de preparação para quem quisesse adoptar um animal doméstico. Devia ser proibido vender animais em centros comerciais (já achava isto há muito tempo) ou dar animais no Natal. Seja cão, seja gato, seja cágado, seja peixe. Devia haver a cultura de "eu vou ter um animal, porque quero mesmo e porque me preparei para isso e sei que é um compromisso para o resto da vida e prometo cuidar dele na doença e na saúde, na alegria e na tristeza".
Mas num país em que ainda se celebram touradas para gáudio do povo, isto é, infelizmente, capaz de demorar mais que o desejável. E, depois, claro, quando acontecem acidentes, é preciso procurar um bode expiatório.
Ou o que eu queria dizer era mais ou menos isto.
Eu sou uma defensora dos animais. Sou filiada do PAN, não uso peles ou quaisquer produtos de marcas que eu saiba que testem em animais, contribuo mensalmente para uma associação de ajuda a animais abandonados, deixei de comer carne (tirando raríssimas excepções desde Setembro passado) e vejo-me, de vez em quando, a braços com cães ou gatos abandonados que quero salvar mas nunca encontro nenhuma associação disposta a acolhê-los (isso agora daria pano para mangas) e os animais acabam por ficar na rua, à mercê dos carros e da chuva, mas sempre com a certeza de que há alguém que lhes dá comida. Porque eu, ao contrário de muitos activistas da causa animal que conheci bem mais activistas e fundamentalistas do que eu, tenho uma bebé em casa e um gato que preza a sua singularidade e um marido que não vai nas conversas de "agora vou trazer para o nosso pequeno apartamento um cão piolhoso e traumatizado que vai dormir connosco até lhe encontrarmos um lar". E, apesar de já me ter chateado com isso, percebo e aceito e agradeço que assim seja porque, não sei se isto será óbvio para todos, o bem-estar da minha filha é-me muito mais importante e indispensável do que o bem-estar da cadelinha Chelsea ali da rua de trás.
Mas não foi por isso que ainda não assinei a petição para o não abate do Zico. Não assinei porque ao princípio não percebia bem o teor da petição. Além de estar muito mal escrita, pobre e mal fundamentada, os autores da petição fizeram um péssimo trabalho a sublinhar realmente o que de facto se pretende: mudar a lei e não, como muitos gritam, responsabilizar os pais do bebé que morreu. Vamos a ver. O cão estava fechado, era mal tratado, estava em stress. É claro que a culpa é dos donos e não do cão. O cão não decidiu atacar por maldade ou porque lhe estava no sangue. O cão atacou porque estava em stress e porque de repente se deve ter visto assaltado por uma criatura mais pequena que ele que lhe subiu para o lombo (estou eu a imaginar, não sei se assim foi) e acabou por se virar contra o bebé, cuja morte eu lamento muito e já pensei tanto sobre isto e sobre o que os pais devem estar a sofrer que acabei por me deixar toldar pela compaixão que sinto por alguém que perde um filho, ainda para mais sendo um bebé, o que a mim, tendo eu uma em casa, me toca profundamente. Acabei por me chatear com alguns comentários fundamentalistas que tenho lido na Internet sobre como é preciso responsabilizar os pais da criança. Não creio que a solução passe por aí. É claro que eles deviam ter protegido a criança, é claro que eles eram responsáveis pela protecção tanto da criança como do cão, mas faz-me muita impressão que se queira punir alguém que acabou de sofrer a maior perda de sempre. Acaso eles não foram já punidos o suficiente com a morte do seu filho? É urgente, sim, mudar a lei, mudar a forma como a lei vê os animais, mudar a forma como a lei vê os donos dos animais. Como diz um amigo meu que tem um cão, a maior parte das pessoas que tem cães não os devia ter, não está preparada para tal, quer em termos de infraestruturas, quer em termos de tempo e disposição para treinar o animal e lhe dar a liberdade de que precisa para soltar a energia acumulada ao longo de um dia fechado num apartamento. Assim como há cursos de preparação para o parto, assim como há penosos e morosos processos de adopção de crianças, devia haver também a obrigatoriedade de frequentar um curso de preparação para quem quisesse adoptar um animal doméstico. Devia ser proibido vender animais em centros comerciais (já achava isto há muito tempo) ou dar animais no Natal. Seja cão, seja gato, seja cágado, seja peixe. Devia haver a cultura de "eu vou ter um animal, porque quero mesmo e porque me preparei para isso e sei que é um compromisso para o resto da vida e prometo cuidar dele na doença e na saúde, na alegria e na tristeza".
Mas num país em que ainda se celebram touradas para gáudio do povo, isto é, infelizmente, capaz de demorar mais que o desejável. E, depois, claro, quando acontecem acidentes, é preciso procurar um bode expiatório.
Ou o que eu queria dizer era mais ou menos isto.