Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara.
Não tenho o dom da palavra, pelo menos da falada. Sou aquele tipo de pessoa que, numa festa, passa facilmente despercebida. Noto isso quando sou a última a quem passam o champanhe ou quando ninguém parece ter conversa para puxar comigo (isto faz com que, por outro lado, tenha o dom da invisibilidade, o que, convenhamos, também pode dar jeito). Prefiro grupos pequenos onde consigo ser eu mesma do que grupos grandes, especialmente quando há muita gente que não conheço, onde sinto sempre que tenho de me obrigar a participar nas conversas e acabo incomodada com o pouco interesse que desperto nos outros. Não sou, nem nunca fui, o centro das atenções, a miúda que brilha na festa e reina na pista de dança, a pessoa divertida e extrovertida que tem sempre uma piada na manga ou a resposta certa que cai bem em todas as ocasiões. Não sou, pronto.
Em contrapartida, sei que neste blogue e nas redes sociais em geral, há sempre alguém que me presta atenção, que comenta aqui e ali e dá a sua opinião, que faz like às minhas parvoíces no Facebook ou elogia o meu novo vestido no Instagram quando, na vida real, mais ninguém o faz. Bom, não quero ser injusta para a minha filha mais velha que adorou o vestido, quis ver todos os botões e pormenores e fartou-se de me gabar como me ficava bem. Fora isso, contudo, ninguém notou que trazia vestido um vestido com mais de 40 anos, que mandei arranjar à minha medida. "Mas as pessoas não adivinham", dizem-me vocês, "como queres que as pessoas saibam que trazes um vestido da tua avó se não lhes dizes"? Mas a verdadeira questão é: na vida real, as pessoas nem sequer reparam, pois não?
É claro que isto não é sobre um vestido. É sobre mim e sobre mim nas redes sociais. Sobre a liberdade de expressão que achamos que temos, mas que não passa de uma ilusão e nos pode meter em sérios sarilhos por causa de um comentário menos feliz num qualquer grupo virtual. Sobre como me tenho relacionado com as redes sociais ao longo dos anos e como a tendência está a ser para me afastar cada vez mais. Sobre como este blogue já foi tão íntimo e pessoal e, hoje em dia, não passa de um blogue displicente sobre costura, comida saudável e vestidos de velha. E sobre como eu não preciso de nada disto para ser feliz.
* O título é de José Saramago, em Ensaio sobre a Cegueira. E não, o blogue não vai acabar.