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Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Este não é um texto triste, é um texto sobre as melhores memórias que se podem ter

Não me lembro de ter alguma vez visto a minha avó furiosa ou enraivecida. Não me lembro de alguma vez me ter ralhado, gritado ou batido. Durante os primeiros três anos de vida foi ela quem me criou e, depois disso, era ela quem me acolhia durante todas as longas férias escolares durante as quais a minha mãe não podia ficar comigo em casa. Foi ela que me passou as poucas raízes alentejanas que tenho e é dela que ainda retenho nas papilas gustativas o sabor da melhor tomatada de frango que não hei-de voltar a comer. Dizem que não guardamos recordações de tão tenra idade, mas eu quase que juro que me lembro perfeitamente desse tempo, desses primeiros três anos. Talvez à força de me terem contado as mesmas histórias vezes sem fim, consigo visualizar com detalhe aquela vez em que a minha avó andou atrás de mim na rua com um prato de comida, enquanto eu brincava, e aquela vez em que subia as escadas para os quartos entre ela e o meu avô que me ia fazendo cócegas a cada degrau e eu ria que nem uma perdida, aquela vez em que se zangou comigo por ter entalado os dedos na porta à minha amiga, depois de ela nos ter alertado dez vezes sobre os perigos de brincar a fechar e abrir a porta da rua, e ainda aquela vez em que, durante o penoso luto da morte do meu avô, eu achei que a melhor maneira de a distrair seria ensiná-la a escrever. Ainda consegui que escrevesse o A do seu nome, naquilo que eu achei dever-se à minha fantástica capacidade para ensinar, mas que na verdade se deveu à sua fantástica capacidade para me amar.

A minha avó foi a enterrar este sábado. Chorei um bocadinho quando vi o caixão descer para a terra, como uma metáfora fatalista do não retorno, e ouvir o choro das minhas tias, das minhas primas, das vizinhas fez-me pensar que, se calhar, também eu deveria estar a chorar copiosamente. A verdade é que fui chorando tudo o que tinha a chorar ao longo dos últimos 8 anos em que a vi definhar na cama do lar, desde o choque da primeira vez em que ela não me reconheceu até à última visita em que podia jurar que lhe vi um brilhozinho nos olhos quando lhe falei das bisnetas. A verdade é que me custava muito vê-la assim, tanto que muitas vezes não consegui sequer vê-la, muitas vezes adiei as visitas porque me recusava a preencher o meu mapa de memórias da minha avó com tão tristes imagens. Foi a minha forma cobarde de lidar com a realidade, mas de pouco servirá martirizar-me por isso.

Ao longo destes últimos anos, fui chorando tudo o que tinha a chorar, já disse. E fui-me também preparando para o dia do telefonema a informar do inevitável. Quando o dia chegou, eu soube antes de mo dizerem e também soube que estava preparada para o ouvir. Depois de desligar, respirei fundo e chorei baixinho sem ninguém ouvir naquele que foi um instante de alívio, porque agora, sim, se lhe acabara o sofrimento.

Post anticapitalista


Fecharam o Tacheles. Desta é que foi. Fecharam o Tacheles.

Em breve irão deitar abaixo as paredes daquele que, durante anos, foi um ícone da cultura alemã, um símbolo da contracultura, da liberdade de pensamento anticapitalismo. Se calhar foi por isso mesmo. Na Alemanha de Merkel não dá jeito ser anticapitalista e o Tacheles era uma nódoa numa das ruas mais turísticas da cidade. As próximas a irem serão as prostitutas de corpete e tacão alto. Preparem-se, meninas, que não fica bem que vos vejam tão descascadas. De qualquer maneira, o espaço faz falta para construir mais um boutique hotel. Digo eu. Aposto 500 paus.

O Tacheles era também o meu happy place em Berlim. Um dos. Durante os 4 anos em que vivi na cidade, o Tacheles fazia parte da minha rotina como um sítio incontornável aonde levar as visitas, aonde ir beber uma cerveja no verão, aonde ir ao cinema no inverno. Lembro-me bem da primeira vez que fui lá ao cinema. O barman era o vendedor de bilhetes que era o assistente de sala que era o projeccionista. Um 4 em um para poupar dinheiro ou porque a sala de cinema não era assim tão grande. Lembro-me bem das conversas de engate em espanhol ao balcão, das conversas menos de engate em português nas mesas (sobre os dez CDs que levaria comigo para uma ilha deserta - e eis que ainda consigo dizer de cor quais os dez CDs que escolhi na altura, só que isso agora não interessa nada) e dos charros em francês que fumei. Ops, eu não disse isto. Lembro-me bem da festa argentina a que fui uma vez no último andar, também aquele daquela cena no filme Goodbye Lenin!, e da qual saí pouco depois porque há coisas que continuam a ser demasiado à frente para mim. E lembro-me bem, por fim, das construções em ferro que projectavam fogo e dos fins de tarde passados nas traseiras, sentada em paletes a beber Becks e a rir-me dos excertos de filmes porno a preto e branco que estavam a ser projectados na parede do edifício em frente e aos quais ninguém ligava nenhuma.
E agora fecharam o Tacheles. Pois puta que os pariu.

Nostalgio

Domingo foi dia de limpezas no sótão. Literalmente. Os meus pais, que foram acumulando tralha ao longo de toda a vida, lembraram-se agora de começar a livrar-se do que não precisam. Claro está que me calhou a primeira fatia do bolo. Aproveitando um domingo sem planos, coisa rara nos últimos tempos, lá fomos, mãe e filha, que o pai foi à bola, com tempo e vontade de vasculhar nos baús (vulgo caixas poeirentas). O resultado foi fascinante e deixou-me várias vezes com a lagriminha a querer saltar. As únicas coisas com que me lembrava efectivamente de brincar eram a Barbie e os Pin Y Pons, dos quais continuo uma fã incondicional, mas não dos novos - dos vintage, como lhe chamam "carinhosamente" na ebay. Sinto-me algo ofendida quando leio vintage relativamente a brinquedos da minha infância, mas convenhamos... quer queira, quer não, foi há mais de 20+5 anos... Por isso, cada caixa era uma autêntica caixinha de surpresas. Desde os tachinhos e os electrodomésticos de brincar, às roupinhas para as bonecas que a minha mãe fazia, à cadeirinha de baloiço das bonecas, aos bonecos miniatura do "Era uma vez a vida" ou à mochila do Dartacão que levei no meu primeiro dia de escola, tudo despoletou em mim a mais profunda ternura e nostalgia e, à minha filha, qual barata tonta no meio de tanto brinquedo, arrancava "oohhs" e "aahhs" de cada vez que lhe mostrava qualquer coisa. Afinal, e ao contrário do que pensava em criança, tive brinquedos mais do que suficientes... Mas vão lá dizer isso a um pedaço de gente...
Agora, já está tudo cá em casa, ainda dentro de uma caixa gigante à espera que eu decida que destino lhes dar. Se vão para a Inês, à medida que vai tendo idade para não estragar as coisas assim que pega nelas, se fica tudo mesmo para eu brincar quando ela for dormir. Especialmente os Pin Y Pons. Ou, ao preço a que os ditos estão no mercado, se os vendo e vou de férias para as Maldivas...
Decisão difícil.


Regresso ao passado na estação de serviço

Sempre que entro numa casa de banho das estações de serviço das auto-estradas de Portugal, sou imediatamente transportada para a minha mesa de escola da Primária. Há qualquer coisa no gel para as mãos (não quero pensar que é no produto para a sanita) que me lembra umas borrachinhas que se usavam na altura e que só pediam para serem comidas. No entanto, não me lembro se alguma vez as comi. Assim como não me lembro como se chamavam ou onde se compravam, nem se eram borrachas a sério ou daquelas integradas nos lápis. Só sei que volto a ter 5 anos sempre que vou fazer chichi a Alcácer do Sal.