Tenho pensado muito sobre o novo ano e o que eu quero que seja diferente no futuro. Não gosto de retrospectivas, mas 2014 foi um ano de mudanças - de casa, de distrito, de emprego - mudanças sérias na vida de uma pessoa. Ainda me estou a adaptar a essas mudanças e a tentar contornar alguns contratempos, como o facto de trabalhar em casa num meio pequeno a 45 minutos de Lisboa, sem trânsito, ser tão diferente de trabalhar em casa nos agitados subúrbios a 5 minutos de Lisboa. Mas sobre isso falarei mais tarde, pois estou a criar subterfúgios que me permitam sentir-me mais acompanhada.
Mas tudo isto vem com o tempo, assim como o construir uma rede sólida de clientes que me permita ter um fluxo de trabalho constante. Isso ainda não aconteceu. Tenho andado muito ao sabor da maré e a tentar perceber as flutuações do mercado. Ora não tenho mãos a medir, ora não tenho trabalho durante dias a fio. Sei que o mercado demora tempo a reagir e já tenho alguns trunfos na manga, alguns bons clientes com bons trabalhos e boas tarifas que ficaram contentes com o meu trabalho, mas que precisam de algum tempo para perceberem que me devem colocar na lista de tradutores preferenciais. Tudo isto leva o seu tempo, claro. Afinal, só estou por minha conta há três meses. Pela minha experiência, em Janeiro o mercado da tradução estará mais ou menos estagnado, por isso, em vez de andar a chorar pelos cantos, vou aproveitar o tempo para me dedicar à legendagem (que paga muitooo mal, mas é tão giro!), aos meus projectos pessoais e... às minhas resoluções.
Não são bem resoluções. Este ano, não me fez muito sentido fazer uma lista de coisas como ler mais, comer melhor, fazer mais desporto,
fazer mais sexo. É claro que quero isso tudo, não necessariamente por esta ordem. Mas este ano sinto necessidade de, muito mais do que introduzir novos hábitos, mudar aquilo que não está bem. Comecei, então, a pensar no que não está bem. Pensei em como me tenho sentido ultimamente, comigo mesma e na minha relação com os outros, ou melhor, com a família mais próxima.
E a verdade é que me tenho sentido frequentemente muito infeliz. Zangada com a vida. Impaciente. Aborrecida. Colérica. A mais velha tem-me dado cabo do juízo com a forma peçonhenta como lida com a irmã mais nova. Eu tendo a sair em defesa da mais pequena, mas depois vem o pai e alerta-me para os perigos do meu comportamento. E depois ela porta-se mal, muito mal, mal ao ponto de estarmos a jantar com amigos e não conseguirmos conversar, e eu pergunto-me se não estará apenas a chamar a atenção. Não há dúvidas de que está. E eu pareço que ando sempre zangada com ela.
Ontem foi um dia especialmente mau. Depois de uma noite de apenas três horas de sono por causa de alguma coisa que afligiu a mais nova, coube-me a mim sair de casa com elas para o pai poder trabalhar descansado. Não vou descrever em pormenor o que aconteceu nas três horas que se seguiram e que incluíram um almoço desastroso, mas digamos que foi bastante aborrecido. As duas estavam nos seus piores dias e eu, privada de sono e de amor-próprio, cheguei àquele ponto em que comecei a ficar com os olhos marejados de lágrimas e tive sérias dificuldades em disfarçar.
Então, percebi. Percebi que tem havido um conflito constante no meu interior. Ora advogo as premissas da parentalidade positiva, ora desato a berrar quando ela faz disparates. Ora me ponho a ler as lamechices do Doutor
Carlos González, ora sou de palmada fácil. E depois fico angustiada comigo própria e tenho insónias à conta disto. O não agir em consonância com aquilo em que acredito faz-me deixar de acreditar em mim, desacredita-me como mãe, como pessoa. E torna-me infeliz.
Mais do que uma resolução, esta vai ser a minha prioridade para 2015: agir de acordo com as minhas convicções, agir como me quero sentir, especialmente no que diz respeito à forma como educo as minhas filhas. Por muito que custe, e vai custar, e não vou conseguir sempre, mas quero focar-me nisso no início do ano, arranjar estratégias que me ajudem, para que as coisas comecem a fluir mais do meu agrado ao longo do ano.
A segunda prioridade, e fiquemos por aqui porque estas duas já me vão dar muito trabalho, tem a ver com a minha zona de conforto e os meus complexos. Para quem não está a par da minha história, pode lê-la
aqui. Quem me conhece bem sabe que, até há alguns anos, eu não ia à praia, ou ia a muito custo e só com pessoas da máxima confiança, Sabe também que deixei de usar saias aos 12 anos, que não tomava banho em ginásios, que não corria, que não fazia ioga ou qualquer outra coisa que expusesse o meu pé e a minha perna a olhares e julgamentos. Porque as pessoas descriminam sem dar por isso. Está-nos no sangue, acho. A maior parte não faz por mal. Mas dói. Cresci a ouvir familiares, vizinhos, amigos dos meus pais, pessoas adultas portanto, a rotularem-me de "coitadinha" e "deficiente". Cresci a pensar que não podia correr nem fazer grandes caminhadas porque me doía o pé. E doía. Mas, já em adulta, fui percebendo que, por muito que me doesse ao princípio, o treino acabaria por mitigar as dores e quando comecei a correr, com motivos muito para além do estar em forma ou perder peso, comecei a acreditar que era possível, que afinal eu era igual aos outros, conseguia correr três, cinco, oito quilómetros, ainda que com dores, ainda que mais devagar, mas conseguia. Foi um grande passo para mim e para a minha auto-estima. É claro que precisei de alguma ajuda especialista nesse campo e foi graças a essa ajuda que comprei o meu primeiro vestido e o usei com botas altas há dois Invernos. Continuo a esconder, continuo a disfarçar, mas já não disfarço completamente e já não me importa muito se alguém estiver a olhar para as minhas pernas porque há algo de estranho ali, mesmo com botas. Já não quero saber o que pensam. Pelo menos no Inverno...
Mas houve um dia que, enquanto corria, um instrutor de desporto veio ter comigo perguntar se estava lesionada. Reagi bastante bem, contei-lhe o meu problema (há uns anos teria simplesmente inventado uma lesão) e falámos sobre como podia correr sem maltratar a coluna. Infelizmente, depois nunca mais consegui correr. O facto de alguém ter reparado que arrastava uma perna ao fim de três quilómetros foi o suficiente para perder a coragem de me continuar a expor. Voltei à minha zona de conforto e dela não saio há quase um ano. Entretanto, voltei ao ginásio, mas há pequenas nuances no meu comportamento no ginásio que indicam que estou prestes a deixar de lutar contra os meus complexos, como o facto de não tomar banho no ginásio. Uma coisa leva à outra e sei que, se continuar assim, todo o trabalho psicológico feito ao longo de dois anos vai por água abaixo, se não me obrigar a sair da minha zona de conforto de novo. Para ajudar à festa, no outro dia li
este artigo no Público, pensei, porra, há gente com coragem e tive vergonha de mim por ter perdido a coragem.
E é por isso que vou voltar a correr. Não é por ser o desporto da moda agora (parece que ultimamente toda a gente começou a correr e a comer pão sem glúten), não é para emagrecer (se bem que, depois deste Natal...), não é para poupar dinheiro no ginásio. É mesmo para mostrar a mim própria que não há assim nada de tão errado comigo e que, pois claro, eu também sou capaz. Em suma, para ter mais confiança em mim. No fundo, para ser mais feliz.
Bom Ano.