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Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Bolas de Berlim... sem creme

Um blogue que não é de culinária (apesar de ter algumas receitas)

Primeiro dia

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Sei que é normal, que faz parte, que a vida é para a frente e mais outras frases cliché de que não me lembro, mas que podem juntar ao rol. Mas não consegui evitar uma sensação avassaladora de desamparo quando a deixei na sala da primeira classe, de cabecita por detrás das cartolinas, da caixa cheia de exigências da professora e da mochila que pesa tanto como ela. Ela ficou a sorrir, satisfeita e orgulhosa, e só isso já me devia deixar descansada. Mas assim que lhe fiz adeus e virei as costas, fui assaltada pela hedionda suspeita de que falhei redondamente como mãe, porque a deixei sozinha, entregue à bicharada, aos meninos matulões do 4.º ano, aos livros de fichas e ao refeitório com tabuleiro da escola pública. Quando deveria sentir exactamente o oposto, eu sei. Afinal, a minha menina está a crescer e criei uma menina doce, confiante e bem-disposta que não tem medo de ir para a escola e que, ao contrário da parva da mãe, não ficou a chorar. Mas é que não consigo parar de pensar: e se ela tiver vontade de fazer cocó, quem é que lhe vai limpar o rabo??

Quando as coisas correm bem, é muito fácil

À semelhança daqueles blogues de cores pastel em que parece que tudo vai bem, que os miúdos estão sempre bem vestidos e sem nódoas com mães de lábios pintados a condizer (ou será ao contrário?), hoje também vou deixar de lado as birras, as nódoas, os chichis nas cuecas e as noites más para vos falar de um fim-de-semana a três espectacular! Acho que, se repetir isto muitas vezes, vou conseguir convencer-me de que fui mesmo uma mãe espectacular este fim-de-semana, não gritei vez nenhuma e encarei todos os chichis fora da fralda com um sorriso. Até o cocó na cueca eu achei fofinho! Mesmo fofinho, a sério!

 

Tudo começou com a casa da minha avó em que cresci e passei férias de Verão infindáveis e Natais cheios de recordações, e que os meus pais compraram na sequência das partilhas depois de a mainha avó morrer. Aquela casa traz-me tantas e tão boas recordações que cada vez que lá entro é um regresso ao passado. É normal que queira muito passar isto às minhas filhas, mas a Inês não tem partilhado do mesmo sentimento de pertença à casa ou à aldeia. Diz que a casa é velha e fria, o que não deixa de ser verdade. A culpa é minha que ainda só lá a levei de Inverno. Mas o Verão no Alentejo é demasiado quente e em Sesimbra passam-se demasiadas coisas para querermos sair daqui...

Mas desta vez fui com a missão de criar boas memórias nas minhas filhas, de as levar a passear muito e de as fazer querer lá voltar. Daqui a uns tempos logo vejo se consegui.

 

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Começámos por visitar o Museu de (A) Brincar de que eu gostei mais do que elas, porque quando perceberam que não podiam brincar com as coisas, deixaram de achar piada.

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Fez-me alguma impressão ver um jogo com que costumava brincar em criança como peça de museu. Estamos velhos aos 35 anos?

 

Enquanto a Alice dormia a sesta, levei a Inês à ribeira do Caia. Quando tinha a idade dela, ia muitas vezes para lá ver cágados e fazer richochete na água com pedrinhas, mas não vimos cágados nem havia pedrinhas no meio de um matagal pouco cuidado. Apanhámos, sim, muitas flores campestres e ouvimos muitos sapos que coaxavam numa sinfonia ensurdecedora.

 

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Quando a Alice acordou, fomos passear de novo e acabámos por ir dar à vila da Esperança ver as pinturas rupestres da Lapa dos Gaivões. No início deste ano lectivo, a sala da Inês trabalhou o tema dos homens das cavernas e das pinturas rupestres e acho que ela ficou muito impressionada por vê-las ao vivo.

 

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O resto do tempo foi mesmo espectacular como disse no início. Não tive de separar as manas à noite porque não ficaram nada excitadas por dormirem na mesma cama, dormi a noite toda durante as duas noites em que lá acordei, sem acordar vez nenhuma nem ter tido de trazer a Alice para a minha cama às 5 da manhã, portaram-se super bem no supermercado da vila em que as pessoas olharam todas para as minhas duas filhas super bem comportadas e a ida ao restaurante correu às mil maravilhas sem ser preciso mudar a Alice duas vezes nem fingir que ela não tinha feito cocó nas cuecas nem nada. Foi mesmo fora de série.

Especialmente a viagem de regresso, em que vieram a dormir.

 

São as regras, mãe

Devo começar por dizer que não sou uma mãe tão paciente e abnegada como gostaria de ser, ou como acho que devia ser, e que tenho a noção de que a Escola não substitui o papel dos pais. Mas sendo um espaço em que as crianças passam a maior parte do dia, na maior parte dos casos, gostaria que a Escola (como instituição) funcionasse mais em torno das crianças e não tanto apenas a pensar em facilitar a vida aos professores e educadores e em cumprir as absurdas metas curriculares. É um beco sem saída, este, bem sei. Mas hoje queria falar sobre os pormenores.

Por exemplo, o pormenor de uma escola que, em vez de castigar as crianças que não entregam os livros da biblioteca a tempo, proibindo-os de requisitar livros na semana seguinte, promove ações de recompensa às crianças que entregarem sempre os livros a tempo, durante o ano escolar*? Será que as crianças não se sentiriam mais motivadas a entregar os livros a tempo, em vez de ficarem vexadas por todos os amigos poderem requisitar livros menos ela? Chama-se ao primeiro caso - o da escola que recompensa as crianças que entregam os livros a tempo - reforço positivo que é a forma de apresentar estímulos que motivem as crianças a terem o comportamento correto (ou desejado). O segundo caso - a escola que castiga as crianças por não entregarem os livros a tempo - é o típico castigo, que passa por retirar à criança a possibilidade de viver uma experiência prazenteira como impedimento de que a "má" atitude seja repetida.

 

Por exemplo, ainda em contexto escolar, o reforço positivo é o método da caneta verde que foi muito falado há uns tempos nas redes sociais e que passa por assinalar apenas o trabalho que as crianças fizeram corretamente, como estímulo para que assim continue. O castigo, ou estupidez como lhe quiserem chamar, é o caso das carinhas vermelhas ou tabelas comportamentares que só servem para reduzir a autoestima das crianças e para as confundir quanto à razão porque devem fazer as coisas bem.

 

Mas voltemos aos livros da biblioteca que as crianças (ou os pais) devem entregar a tempo. É claro que nas bibliotecas municipais também ficamos impedidos de requisitar livros durante um período se não entregarmos os livros a tempo. Ou pagamos juros de mora se não pagarmos a água a tempo. É assim que é e pronto. Mas este é o mundo dos adultos. Num jardim de infância, estamos a falar de crianças de cinco anos que ainda não percebem bem o ciclo do tempo, os meses do ano e os dias da semana, quanto mais saberem que é à sexta-feira que têm de levar o livro da biblioteca. Por azar, a minha filha mais velha tem uma mãe mais despassarada do que ela que se esquece sempre de incluir o livro da biblioteca à sexta-feira. Porque efetivamente andámos uma semana a ler o livro (não é isso que se pede??) e ele lá ficou esquecido no quarto, no meio dos outros livros. Já cheguei a meter um lembrete no telemóvel para entregar os livros a tempo, mas nem assim. Na última semana, lembrei-me de levar o livro à segunda-feira, mas infelizmente isso já não contou, porque o dia da biblioteca é à sexta-feira e não interessa se entreguei o livro na segunda, devia ter sido na sexta, azarito. "As regras são para se cumprirem, mãe!" De nada me valeu explicar que a culpa não foi da criança (confesso, partiu-me o coração a tristeza da Inês quando me contou que não a deixaram trazer nenhum livro), que a culpa foi minha, que de bom grado contribuiria com um livro novo para a escola. Mas não, porque as regras não foram cumpridas e as regras são para se cumprir, como me foi repetido mais umas três vezes. Também me disseram que estas regras servem para responsabilizar as crianças e dar-lhes autonomia.

 

Infelizmente, no calor da situação nunca me lembro das coisas certas para dizer. Por exemplo, podia ter perguntado que autonomia é essa que a escola promove quando, durante anos, não deixaram os meninos lavarem os dentes porque achavam que eles não eram capazes de os lavar sem andarem as enfiar as escovas de dentes nas bocas uns dos outros ou que não os deixam(ram) beber água às refeições porque se molham!

 

O que vai acontecer é que o livro não vai sair mais da mochila à sexta-feira. Ficará dentro da mochila o fim-de-semana inteiro e será devolvido logo à segunda, para evitar distrações da mãe e, consequentemente, castigos à criança. E assim não se cumpre o propósito inicial que é a promoção da leitura. Não se preocupem, que não faltam livros cá em casa. Mas custa-me aceitar que a escola falhe numa coisa tão básica que se podia contornar tão facilmente. Ou estou a ver mal as coisas?

 

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* Sim, estas escolas existem, a Inês já andou numa assim, infelizmente nunca ganhou recompensa nenhuma porque a mãe às vezes se esquecia de entregar os livros a tempo...

Mamã

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Agora tinha de fazer contas, mas a Alice deve ter uns 18 ou 19 meses e ainda não fala.

Toda a gente acha que já devia dizer umas coisas, mas toda a gente acha sempre alguma coisa e nós vamos sempre respondendo com uns pois e uns tem tempo e não ligamos. Mas começa a fazer falta que se consiga exprimir e até nós já começamos a ficar impacientes, embora eu cá ache que ela só não fala porque não quer. Seja por preguiça ou sentimento de superioridade, o certo é que ela percebe tudo, diz tudo sem nada falar e tem uma expressão facial guardada para cada momento. No outro dia, ironizou com o pai à mesa ("Ela está a gozar comigo, não está?"), sem uma palavra dizer. Bom, na verdade em Abril disse pela primeira vez gato e mamã, mas depois disso voltou a calar-se e a meter-se na sua vida e só agora, durante estes dias quentes, é que começou a desenrolar a língua e a formular sons que se parecem com aquilo que nós queremos ouvir: não (a palavra preferida), mamã, papá, papa, não quero, morango. Ok, já estou a exagerar, ainda não disse morango, embora eu pudesse jurar que sim...

Ficamos sempre deliciados a olhar para ela, a sorrir e a dizer baboseiras parvas (virá algum pediatra dizer que não devemos dar demasiada importância a isto, mas eu acho irresistível ouvir a voz dela sem ser através de grunhidos). A malandra, que já goza com o pai à mesa, percebe que a casa pára de cada vez que emite um conjunto de fonemas e abusa do "mamã" à hora de deitar. Hoje, por exemplo, a Alice não achou muita piada ter ido o pai deitá-las e emitiu um mamã tão bem pronunciado, tão doce, tão sôgrefo, tão desesperado, tão nasal que quase desfaleci de tanta ternura.

Ouvir mamã pelas primeiras vezes é capaz de fazer parte daqueles momentos reveladores em que a maternidade faz todo o sentido. Vou tentar lembrar-me disto quando ela voltar a atirar a sopa para o chão.

Semana da filha única

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Aos 11 meses, já a tentar trilhar o seu caminho sozinha.

 

A mais velha foi passar uma semana com os avós ao Algarve e, por isso, esta semana estamos só os três. As pessoas perguntam-me se a Alice sente falta à mana. Tenho dito que ela ainda não percebe bem, que ainda não racionaliza esta coisa das saudades. Mas, à medida que o tempo passa, percebo que ela sabe perfeitamente que está sozinha connosco. E está a adorar! Tem, finalmente, a oportunidade de ser filha única durante uma semana e nós deixamos que ela a aproveite ao máximo. Também a nós nos está a saber bem. Não que não tenhamos saudades da Inês, porque temos, e muitas, e o silêncio que paira na casa é estranhamante incómodo, mas também sabe bem dedicar todo o tempo só a uma, não demorar uma eternidade a adormecê-las e ficar com bastante mais tempo nas mãos. Ter só um filho é muito mais fácil, não me venham com coisas. E temos muita sorte em ter avós que querem ficar com elas, que as levam de férias e lhes dão carinho e gelados todos os dias (!), e nos permitem respirar um pouco e repor energias para o resto do verão.

Assim está muito bem

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Houve uma altura em que pensámos ter três filhos. Foi pouco depois de a bebé Alice nascer, quando eu ainda andava parvinha da occitocina e descobrimos que nos tinha calhado outra bebé pouco chorona e dorminhoca. Mas depois começaram os terrores nocturnos da Inês e, a juntar à dentição da Alice, foi um ano de pura privação de sono (eu sei que há pais que são privados de sono durante mais tempo, mas cada um com os seus problemas, sim?), o que serviu para me desmotivar completamente de ter outro filho.

Além disso, feitas as contas, o nosso carro dá para dois filhos, a nossa casa é ideal para dois filhos, os nossos ordenados não esticam para mais do que dois filhos, as duas voltaram a dormir bem e a vida é perfeita assim com dois filhos.

 

No entanto, a Inês está sempre a pedir-me um irmão. Já lhe expliquei que tomo um comprimido todos os dias para não ter bebés na barriga, mas ela diz que qualquer dia me esconde os comprimidos. Já lhe expliquei que só tenho duas mãos para as agarrar ao atravessar a estrada, uma de cada lado, e que como iria eu agarrar uma terceira criança, mas ela diz que agarra o papá ou que uma delas pode ir às cavalitas. Já lhe expliquei que depois, quando nascesse o bebé, eu ia ter de cuidar do bebé durante muito tempo e não poderia brincar com ela e com a Alice, mas ela disse que posso perfeitamente deitar o bebé a meu lado enquanto brinco com elas. Há uma solução para tudo, portanto. Calculo que também tenha uma solução para as estrias e as mamas descaídas, mas ainda não fui por aí. 

 

Apesar de tudo, apesar de ser a única nesta casa a defender que duas filhas já chegam (felizmente, o corpo é meu e acho que a última palavra ainda é minha), às vezes ponho-me a pensar como seria ter outra. O caos. A desordem. O barulho. Os banhos. As noites. As fotos. As viagens em família. O riso de todas ao mesmo tempo. As sessões de cócegas. A história à noite com as três em cima de mim. E depois encontro blogues de famílias numerosas que me fascinam, como o recentemente descoberto seis mais dois, e dou por mim a vasculhar os arquivos e a lê-lo de uma ponta à outra e a não evitar uma certa inveja da casa cheia e das atividades em família que parecem sempre um acontecimento. 

Vou continuar a ler, este e outros, até perceber como é que estas mães fazem para terem dias mais longos e para conseguirem não andar sempre aos berros pela casa. Quando perceber como se faz e conseguir aplicar isso na minha própria vida, pode ser que consiga ter boas notícias para dar à Inês. Até lá, a vida assim a quatro* está muito bem e recomenda-se.

 

* e mais uns quantos gatos.

vitórias

Sabemos que todo o esforço foi recompensado quando, depois de deitarmos as duas, lermos a história, apagarmos a luz e virmos embora quase logo a seguir, ouvimos a mais velha acalmar a mais nova

- A mana está aqui.

e adormecerem as duas, sozinhas no quarto, sem precisarem de nós uma única vez.

 

Não são resoluções, são prioridades

Tenho pensado muito sobre o novo ano e o que eu quero que seja diferente no futuro. Não gosto de retrospectivas, mas 2014 foi um ano de mudanças - de casa, de distrito, de emprego - mudanças sérias na vida de uma pessoa. Ainda me estou a adaptar a essas mudanças e a tentar contornar alguns contratempos, como o facto de trabalhar em casa num meio pequeno a 45 minutos de Lisboa, sem trânsito, ser tão diferente de trabalhar em casa nos agitados subúrbios a 5 minutos de Lisboa. Mas sobre isso falarei mais tarde, pois estou a criar subterfúgios que me permitam sentir-me mais acompanhada.
Mas tudo isto vem com o tempo, assim como o construir uma rede sólida de clientes que me permita ter um fluxo de trabalho constante. Isso ainda não aconteceu. Tenho andado muito ao sabor da maré e a tentar perceber as flutuações do mercado. Ora não tenho mãos a medir, ora não tenho trabalho durante dias a fio. Sei que o mercado demora tempo a reagir e já tenho alguns trunfos na manga, alguns bons clientes com bons trabalhos e boas tarifas que ficaram contentes com o meu trabalho, mas que precisam de algum tempo para perceberem que me devem colocar na lista de tradutores preferenciais. Tudo isto leva o seu tempo, claro. Afinal, só estou por minha conta há três meses. Pela minha experiência, em Janeiro o mercado da tradução estará mais ou menos estagnado, por isso, em vez de andar a chorar pelos cantos, vou aproveitar o tempo para me dedicar à legendagem (que paga muitooo mal, mas é tão giro!), aos meus projectos pessoais e... às minhas resoluções.

Não são bem resoluções. Este ano, não me fez muito sentido fazer uma lista de coisas como ler mais, comer melhor, fazer mais desporto, fazer mais sexo. É claro que quero isso tudo, não necessariamente por esta ordem. Mas este ano sinto necessidade de, muito mais do que introduzir novos hábitos, mudar aquilo que não está bem. Comecei, então, a pensar no que não está bem. Pensei em como me tenho sentido ultimamente, comigo mesma e na minha relação com os outros, ou melhor, com a família mais próxima.
E a verdade é que me tenho sentido frequentemente muito infeliz. Zangada com a vida. Impaciente. Aborrecida. Colérica. A mais velha tem-me dado cabo do juízo com a forma peçonhenta como lida com a irmã mais nova. Eu tendo a sair em defesa da mais pequena, mas depois vem o pai e alerta-me para os perigos do meu comportamento. E depois ela porta-se mal, muito mal, mal ao ponto de estarmos a jantar com amigos e não conseguirmos conversar, e eu pergunto-me se não estará apenas a chamar a atenção. Não há dúvidas de que está. E eu pareço que ando sempre zangada com ela.
Ontem foi um dia especialmente mau. Depois de uma noite de apenas três horas de sono por causa de alguma coisa que afligiu a mais nova, coube-me a mim sair de casa com elas para o pai poder trabalhar descansado. Não vou descrever em pormenor o que aconteceu nas três horas que se seguiram e que incluíram um almoço desastroso, mas digamos que foi bastante aborrecido. As duas estavam nos seus piores dias e eu, privada de sono e de amor-próprio, cheguei àquele ponto em que comecei a ficar com os olhos marejados de lágrimas e tive sérias dificuldades em disfarçar.
Então,  percebi. Percebi que tem havido um conflito constante no meu interior. Ora advogo as premissas da parentalidade positiva, ora desato a berrar quando ela faz disparates. Ora me ponho a ler as lamechices do Doutor Carlos González, ora sou de palmada fácil. E depois fico angustiada comigo própria e tenho insónias à conta disto. O não agir em consonância com aquilo em que acredito faz-me deixar de acreditar em mim, desacredita-me como mãe, como pessoa. E torna-me infeliz.

Mais do que uma resolução, esta vai ser a minha prioridade para 2015: agir de acordo com as minhas convicções, agir como me quero sentir, especialmente no que diz respeito à forma como educo as minhas filhas. Por muito que custe, e vai custar, e não vou conseguir sempre, mas quero focar-me nisso no início do ano, arranjar estratégias que me ajudem, para que as coisas comecem a fluir mais do meu agrado ao longo do ano.

A segunda prioridade, e fiquemos por aqui porque estas duas já me vão dar muito trabalho, tem a ver com a minha zona de conforto e os meus complexos. Para quem não está a par da minha história, pode lê-la aqui. Quem me conhece bem sabe que, até há alguns anos, eu não ia à praia, ou ia a muito custo e só com pessoas da máxima confiança, Sabe também que deixei de usar saias aos 12 anos, que não tomava banho em ginásios, que não corria, que não fazia ioga ou qualquer outra coisa que expusesse o meu pé e a minha perna a olhares e julgamentos. Porque as pessoas descriminam sem dar por isso. Está-nos no sangue, acho. A maior parte não faz por mal. Mas dói. Cresci a ouvir familiares, vizinhos, amigos dos meus pais, pessoas adultas portanto, a rotularem-me de "coitadinha" e "deficiente". Cresci a pensar que não podia correr nem fazer grandes caminhadas porque me doía o pé. E doía. Mas, já em adulta, fui percebendo que, por muito que me doesse ao princípio, o treino acabaria por mitigar as dores e quando comecei a correr, com motivos muito para além do estar em forma ou perder peso, comecei a acreditar que era possível, que afinal eu era igual aos outros, conseguia correr três, cinco, oito quilómetros, ainda que com dores, ainda que mais devagar, mas conseguia. Foi um grande passo para mim e para a minha auto-estima. É claro que precisei de alguma ajuda especialista nesse campo e foi graças a essa ajuda que comprei o meu primeiro vestido e o usei com botas altas há dois Invernos. Continuo a esconder, continuo a disfarçar, mas já não disfarço completamente e já não me importa muito se alguém estiver a olhar para as minhas pernas porque há algo de estranho ali, mesmo com botas. Já não quero saber o que pensam. Pelo menos no Inverno...

Mas houve um dia que, enquanto corria, um instrutor de desporto veio ter comigo perguntar se estava lesionada. Reagi bastante bem, contei-lhe o meu problema (há uns anos teria simplesmente inventado uma lesão) e falámos sobre como podia correr sem maltratar a coluna. Infelizmente, depois nunca mais consegui correr. O facto de alguém ter reparado que arrastava uma perna ao fim de três quilómetros foi o suficiente para perder a coragem de me continuar a expor. Voltei à minha zona de conforto e dela não saio há quase um ano. Entretanto, voltei ao ginásio, mas há pequenas nuances no meu comportamento no ginásio que indicam que estou prestes a deixar de lutar contra os meus complexos, como o facto de não tomar banho no ginásio. Uma coisa leva à outra e sei que, se continuar assim, todo o trabalho psicológico feito ao longo de dois anos vai por água abaixo, se não me obrigar a sair da minha zona de conforto de novo. Para ajudar à festa, no outro dia li este artigo no Público, pensei, porra, há gente com coragem e tive vergonha de mim por ter perdido a coragem.

E é por isso que vou voltar a correr. Não é por ser o desporto da moda agora (parece que ultimamente toda a gente começou a correr e a comer pão sem glúten), não é para emagrecer (se bem que, depois deste Natal...), não é para poupar dinheiro no ginásio. É mesmo para mostrar a mim própria que não há assim nada de tão errado comigo e que, pois claro, eu também sou capaz. Em suma, para ter mais confiança em mim. No fundo, para ser mais feliz.

Bom Ano.

Dormir é coisa para fracos

Quando estava a mostrar a casa à nova empregada (abençoada seja!), chegámos ao quarto das crianças e eu, meio envergonhada, tentei justificar o cenário de batalha campal com camas desfeitas e dois colchões no chão. Pois, sabe, é que a mais velha agora recusa-se a dormir na cama dela, temos tido alguns problemas neste campo... Ao que ela responde, com a maior naturalidade do mundo, que isso era do mais normal que havia e que o filho do meio dela dormiu no chão até aos 7 anos (neste momento, apeteceu-me rebolar pelo chão a chorar e arrancar os cabelos).

Há umas boas semanas que eu só sei o que é dormir uma noite inteira na minha cama, ao lado do meu homem, se elas forem para a avó (abençoada seja!). Nas noites normais, por volta das duas da manhã, se não antes, lá vai um de nós para o quarto delas, porque a mais nova tem tosse e acorda a mais velha ou porque a mais velha tem pesadelos e acorda a mais nova, e acabamos por pôr cada uma em seu quarto com um dos pais e dormir o resto da noite em camas separadas. Quem fica com a cama de casal tem mais sorte do que quem fica no colchão no chão, mas depois de várias noites assim, não há disputas sobre o melhor colchão. A malta quer é dormir!
Não sei se isto de as crianças preferirem dormir no chão em vez de na cama deles é assim tão normal, pelo menos ainda nunca tinha ouvido casos destes. Dormir na cama dos pais? Já tinha ouvido. Os pais dormirem com os filhos na cama dos filhos? Já tinha ouvido. Os filhos preferirem dormir no chão e querem que os pais durmam com eles no chão? Nunca. (E vai daí...) Mas há sempre uma primeira vez para tudo e já não vão daqui sem terem aprendido uma coisa nova, que é: quem tem filhos não pode nunca cantar de galo. Ah e tal, eu nunca vou fazer assim. Não pode. Ah e tal, eu cá nunca vou fazer assado. Não pode. Especialmente quando os nossos objectivos parentais são comprometidos pela privação de sono. Não há volta a dar. Às duas da manhã a malta não quer saber do que não se pode e não se deve fazer nisto de educar, a malta quer é que elas parem de chorar, se enrosquem em nós quietinhas e nos deixem dormir.

Já pensei, no entanto, em várias formas de convencer a miúda a saltar para a cama dela e não sair de lá. Nenhuma envolve cordas e nós de escuteiro, estejam descansados. Pensei em coisas mais doces como suborná-la com chocolates (check!), coisas mais lúdicas como mostrar-lhe vídeos do Anselmo Ralph (check! and don't ask!) ou coisas mais pirosas como comprar-lhe um edredon da parva da Violetta. Not check, porque mãe (ainda) tem limites! 

Por isso venho aqui pedir encarecidamente que me inundem com as vossas sugestões infalíveis para convencer a Inês de que a cama dela é que é. Preciso muito de ajuda. Já estou a chegar àquele ponto em que, quando me vou deitar, penso se valerá a pena deitar-me na minha cama...


Ora muito boa noite

Com homem fora e um curso "refresh" de legendagem amanhã, viemos dormir a casa dos meus pais, cá longe, para elas poderem ficar com os avós durante o dia de amanhã e eu poupar nas viagens.
Na hora de vir deitar, a Inês recusa-se a vir dormir para o sótão comigo e faz aquela cara de pânico igual àquela ocasião em que apareceu o boneco gigante da Vaca Que Ri. Percebi que não a iria conseguir convencer por gomas nenhumas deste mundo. Voltámos lá para baixo e negociámos a dormida com o avô. Tudo se arranjou. Neta pequena dorme com a avó, neta grande dorme com o avô. Ou talvez eles troquem as voltas depois. O certo é que eu, de repente, me vi sozinha, a dormir sozinha. No sótão. Com um livro. E tampões nos ouvidos. Sem grandes probabilidades de ser acordada nem para dar biberão nem para pôr a fazer chichi nem porque sim nem porque não.

É capaz de a minha satisfação se ouvir lá em baixo.

Se calhar é melhor apagar já a luz.